Há três semanas alguns cidadãos franceses decidiram vestir os coletes reflectores que normalmente equipam os seus automóveis (tal como em Portugal) e decidiram começar a bloquear tudo o que mexe. Bloquear os restantes concidadãos que circulam de automóvel ou de autocarro, bloquear os centros comerciais, bloquear as estações de serviço e por aí fora. Pretexto: o anúncio por parte do Governo de Macron do aumento da taxa dos combustíveis como medida de protecção do ambiente (a par de outras).

Perante a originalidade do movimento que ganhou a designação de “gillets jaunes” (coletes amarelos), a comunicação social francesa entrou em êxtase. E os intelectuais (franceses e não só), sempre propensos a babarem-se perante qualquer fenómeno de experimentalismo político-social que “apregoe a luta contra os ricos”, trataram de o justificar com a “crise da democracia” e a “distância dos políticos dos cidadãos”.

Tivemos assim directos de 24 horas na BMFTV junto das manifestações dos coletes amarelos e debates acalorados de sociólogos e cientistas políticos anunciando uma “nova era”. Não admira pois que muitos franceses inicialmente desconfiados, tenham decidido engrossar o movimento na expectativa dos seus cinco minutos de glória televisiva: a mãe solteira que não descura a educação da filha com a mobilização nas rotundas, o lojista que entrega croissants aos manifestantes, o casal de reformados que recorda os tempos do Maio 68.

Perante a novidade, que rapidamente se radicalizou e começou a pedir a demissão de Macron (e a “morte à burguesia”), os partidos tradicionais ficaram paralisados. Os que mais rapidamente se mexeram foram os irmãos siameses Marine Le Pen e Mélenchon, que se colaram aos “gillets jaunes” no seu ódio a Macron. Foram logo enxotados, é claro. O que não impediu que alguns dos extremistas mais ginasticados tenham posto em prática a sua política preferida: partir tudo!

Sábado passado, Paris ficou a saber em pormenor da agenda dos amarelos (com alguns vermelhos e negros misturados). A verdade é que entre 47 milhões de eleitores, os “gillets jaunes” reuniram no máximo 300.000 cidadãos no sábado 17 de Novembro. E apenas 3.000 em Paris no último sábado. Como era inevitável o movimento passou a ter um “programa” que passa pelas assembleias cidadãs (onde é que eu já ouvi isto?), pela dissolução da Assembleia Nacional e pela renúncia de Macron. Ambos eleitos há pouco mais de um ano, recorde -se.

Como os bloqueios começaram a ganhar anti-corpos (as televisões não puderam esconder a cólera dos que queriam entrar nos centros comerciais e ficaram bloqueados, para não falar dos comerciantes que viram as lojas esvaziadas e destruídas), os amarelos decidiram aterrorizar os deputados do partido de Macron, vandalizando as suas casas com insultos nas paredes, vexames públicos e ameaças ao livre trânsito entre outras medidas “democráticas”. Trata-se de um exemplo clássico das práticas totalitárias que estes vanguardismos justiceiros frequentemente adoptam. Contudo, supor-se-ia que tais atitudes seriam condenadas pelos deputados dos outros partidos. Mas não. A oposição, corajosamente, calou-se.

Está pois aberto o caminho para uma daquelas irrupções, esta sim verdadeiramente populista, que têm marcado a história francesa . Esta “jacquerie” não surpreende. Os “jacobinos”, os “poujadistas”, os “cagoulards” regressaram com coletes amarelos. Estes epifenómenos, a pretexto do direito à indignação, são na sua raiz anti-democráticos.

Ainda que alimentados por preocupações sensíveis (o aumento do custo de vida), combatem a democracia representativa em troca de uma versão de “democracia popular” que, quando não se transforma em criminalidade desorganizada (como vimos em Paris), é apenas a expressão de uma minoria que se julga esclarecida. Não nos iludamos. A luz dos coletes reflectores é sombria!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.