Ora essa, Sr. ministro das Finanças! Então uma política de contas certas é que é uma política de esquerda! (ver manchete do “Expresso” de 15 Abril)

Eu tal não diria porque mais do que uma política de esquerda ou de direita, uma meta claramente assumida de caminhar  para um equilíbrio das contas públicas constitui de per si uma macro gestão racional e prudencial, designadamente num país com um muito elevado peso da dívida pública na riqueza nacional, na medida em que fornece margem de manobra para contextos incertos e confere credibilidade nos mercados internacionais.

Discutir, sim, sobre o apertado valor do défice público de 1,9% do PIB (previsto neste Orçamento para 2022), porventura por se temer mais incertezas no cenário económico global ou por simplesmente se querer ganhar margem para futuro desenvolvimento de políticas mais estimulantes.

O certo é que só conseguiremos sair da atrofia que o endividamento provoca se obtivermos fortes e sustentados crescimentos económicos, sobretudo baseados no bom investimento e no dinamismo do tecido empresarial que tem que ser mais inovador, dimensionado, portador de uma cultura de risco e menos defensor obstinado de uma certa “desregulação do trabalho”.

Então, sim, poderemos encontrar-nos num patamar, que significa também ultrapassar alguns países europeus mais recentemente aderentes à União Europeia, onde se pode debater a preceito a distribuição da riqueza criada, numa lógica tradicional do que é ser de esquerda ou de direita – assunto que não pretendo relevar neste texto.

Numa casa onde “todos ralham e ninguém tem razão” (por falta de dinheiro, no fundo) pouco  poderíamos esperar deste Orçamento que não uma certa continuidade (incluindo, e bem, algum reforço de apoios ao rendimento das famílias e a serviços públicos chave), tratando-se também – e até por força da adaptação aos factores desfavoráveis de origem externa – de um orçamento de segurança cautelar a nível macroeconómico e de salvaguarda das famílias mais vulneráveis e das empresas que, pela natureza da atividade, enfrentam fortes dificuldades com a subida dos preços ligados à energia.

Mas convenhamos que, apesar de tudo, não se trata de um orçamento de austeridade típica, na medida em que não se registam de uma forma directa cortes abruptos sobre os rendimentos.

Falta contudo, a meu ver, neste Orçamento uma mais consistente aposta no crescimento económico  baseado na modernização e eficiência do nosso tecido empresarial, o que não quer dizer que no Orçamento não encontremos medidas para apoiar as empresas, as quais, na sua essência, têm que se fazer por si próprias.

Mas estes apoios, estruturalmente, sabem a pouco e questionamo-nos para quando e como uma redução virtuosa da carga fiscal. Competirá aos partidos, sobretudo os da direita parlamentar, enunciar no próximo debate orçamental medidas claras e realistas de apoio às empresas e não meros “sound bites”! E francamente, tal não se viu com o devido detalhe. Por ora, conta o Governo com uma eficiente implementação do PRR que justifique já em 2022 o previsto crescimento económico.

Disse acima que este não era um Orçamento de austeridade “típica”. Mas a questão da subida da inflação pode assumir contornos críticos. Temos o Governo a afirmar que dispõe de informação que a subida dos preços será temporária e, sobretudo, que radica em conhecidas fontes exógenas que de alguma forma tenta compensar. E, em consequência, não vislumbra durante este ano a hipótese de ajustamentos salariais  em linha com a prevista inflação, pois não quer acrescentar motores nacionais à aceleração do fenómeno inflacionista, conquistando assim naturalmente maior margem orçamental.

Mas o que ocorrerá se a onda inflacionista não for de breve duração e restrita a certos tipos de bens? E que linhas de orientação traçará o Governo em matéria de actualização salarial em 2023?

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.