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Comissão técnica defende que revisão das regras de limpeza da floresta “pode ter efeito contrário”

De acordo com o documento, “a importância de que os critérios tenham uma base técnica e científica adequada torna-se ainda maior quando se convoca toda a sociedade para essa tarefa nobre da gestão de combustíveis à volta das edificações”.
20 Março 2018, 21h34

A comissão técnica independente de análise aos incêndios considera “muito pouco justificada tecnicamente” a revisão das regras de gestão de combustíveis florestais, alertando que a recente legislação “pode ter o efeito contrário ao desejável”, segundo o relatório divulgado esta terça-feira.

Na perspetiva dos 12 peritos da comissão, o decreto-lei de outubro deste ano que clarifica os critérios aplicáveis à gestão de combustível, no âmbito do Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios, é “um exemplo de deficiente uso do conhecimento existente e de uma comunicação pública muito pouco rigorosa”.

“É pena que estas deficiências prejudiquem o enorme esforço feito e a enorme capacidade de mobilização (nunca verificada a este nível), da sociedade em geral, provocada por estas medidas e pelas suas formas de divulgação”, indica o relatório “Avaliação dos Incêndios ocorridos entre 14 e 16 de outubro de 2017 em Portugal Continental”.

De acordo com o documento, “a importância de que os critérios tenham uma base técnica e científica adequada torna-se ainda maior quando se convoca toda a sociedade para essa tarefa nobre da gestão de combustíveis à volta das edificações”.

Neste sentido, as regras têm de ser “claras” com a definição de limites de continuidade e altura de combustíveis arbustivos e subarbustivos, combustíveis mortos, incluindo casca, defende a comissão técnica independente.

“Sem uma boa definição desses limites, e uma boa preparação de quem os vai aplicar, a legislação pode ter o efeito contrário ao desejável”, alerta o relatório, referindo que “se se apontar apenas para um limite de altura de sub-bosque (por exemplo 50 centímetros) sem indicar limites de percentagens de coberto, permite-se um aumento de carga de fitovolume, para 5.000 metros cúbicos por hectare [m3/ha], que para determinadas espécies arbustivas implica um risco estrutural de incêndio muito acima do que é aceitável em áreas de gestão de combustíveis”.

Segundo os peritos, limites de combustível como o de 5.000 m3/ha para combustíveis arbustivos densos ou com elevadas cargas de material morto ao nível do solo podem “conduzir a comportamentos extremos de fogo, muito mais difíceis de controlar que os que podem ocorrer nas mesmas condições em povoamentos com elevadas densidades de arvoredo desramado, com tratamento dos combustíveis arbóreos”.

Neste âmbito, a comissão técnica independente conclui que é uma “necessidade cada vez maior de que a exigência obrigatória do cumprimento da lei venha associada a uma maior exigência na própria produção legislativa que deve ter por base o melhor conhecimento”.

“Depois de corrigidas as assinaladas deficiências técnicas, deverá constituir-se numa excelente referência para futuras iniciativas no âmbito da Proteção Civil, nomeadamente para a circulação de informação e preparação das pessoas para a sua autoproteção ou para a diminuição de comportamentos de risco”, sugere o relatório, recomendando ainda especial atenção para o tratamento de combustíveis vegetais nas áreas inseridas em espaços urbanos na envolvente de edificações localizadas nas periferias destes espaços com os espaços florestais.

Em relação à distribuição de responsabilidades e custos nas faixas de gestão de combustível, a comissão sugere que os proprietários do edificado assumam os custos inerentes às intervenções de limpeza para própria proteção e o proprietário do espaço florestal tenha a obrigatoriedade de permitir essa intervenção e com os custos inerentes a uma menor produtividade do espaço devido às limitações regulamentares de densidade de arvoredo existentes nestas áreas.

Inserido no Orçamento do Estado para 2018, o Regime Excecional das Redes Secundárias de Faixas de Gestão de Combustível, que introduz alterações à lei de 2006 do Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios, indica que, até 15 de março, “os proprietários, arrendatários, usufrutuários ou entidades que, a qualquer título, detenham terrenos confinantes a edifícios inseridos em espaços rurais, são obrigados a proceder à gestão de combustível”.

Em caso de incumprimento do prazo de 15 de março, os proprietários ficam sujeitos a processos de contraordenação, com coimas, que podem variar entre 280 euros e 10.000 euros, no caso de pessoa singular, e de 3.000 euros a 120.000 euros, no caso de pessoas coletivas.

Contudo, no dia 15 de março, o primeiro-ministro anunciou que não vão ser aplicadas coimas relativas à limpeza das matas se estas estiverem concluídas até junho.

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