O Governo está a negociar com os partidos da esquerda o englobamento obrigatório, no IRS, de alguns rendimentos de capitais e prediais. Houve notícias contraditórias e não se conhecem os contornos exatos do que está em cima da mesa, mas uma coisa é certa: mais uma vez, o preconceito ideológico ameaça levar a melhor sobre o bom senso. Mais uma vez, poderemos ceder à tentação de nivelar por baixo, em vez de incentivar a poupança, o investimento e a criação de riqueza.

Vamos por partes. Em primeiro lugar, de onde vêm estes rendimentos que o Governo e os partidos da esquerda querem taxar?

Tal como recorda a bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados, Paula Franco, na entrevista que pode ler na edição desta semana do Jornal Económico, os rendimentos em causa resultam da aplicação das poupanças dos portugueses. Quando os cidadãos investem numa casa ou numa sociedade, fazem-no com as suas poupanças, sejam elas acumuladas ou herdadas.

É tentador pensar que por detrás de cada grande fortuna estará um crime, como reza o aforismo atribuído a Balzac*. Por ‘crime’, leia-se a forma como muitas fortunas se construíram em Portugal nos últimos séculos, com benesses da coroa, compra a preço de saldo de bens da Igreja secularizados em 1834, contratos de tabaco atribuídos pelo Estado, tráfico de escravos (lembra-se de Maria Monforte, filha de um negreiro e mãe de Carlos da Maia e Maria Eduarda?), favores do poder político e outras práticas que pouco devem ao trabalho honesto.

Mas não é de grandes fortunas, nem de privilégios herdados, de que falamos nesta questão do englobamento dos rendimentos. As grandes fortunas e os investidores profissionais têm sociedades onde colocam os seus imóveis, pelo que não irão perder o sono com esta questão. Penalizados serão mais uma vez os senhorios de classe média e média-alta, que têm algumas poupanças e investem em imobiliário para as rentabilizar.

O mesmo acontecerá se avançar o englobamento das mais valias e dos rendimentos de capitais. Quando uma empresa distribui dividendos, está a entregar aos seus acionistas o lucro que sobra após pagar impostos e outros encargos. Os lucros já pagam impostos duas vezes e, se o englobamento avançar, pagarão ainda mais, em muitos casos.

O resultado destas medidas será o empobrecimento do conjunto do país, a prazo. Impostos mais altos sobre as rendas levarão a falta de imóveis no mercado, queda do investimento em reabilitação e, por arrasto, rendas mais elevadas e casas de pior qualidade. Por outro lado, impostos mais altos sobre dividendos e mais valias serão um poderoso incentivo para que muitas micro e PME pura e simplesmente não se esforcem para ter lucros. Para quê registar resultados positivos e distribuir dividendos quando compensa mais não o fazer?

(*) – A frase “por trás de uma grande fortuna há um crime” remonta ao romance “O Pai Goriot”, de Balzac, mas a frase original referia-se à riqueza inexplicada e não às fortunas em geral: “Le secret des grandes fortunes sans cause apparente est un crime oublié, parce qu’il a été proprement fait”. Por outras palavras, o segredo das grandes fortunas que não têm uma causa aparente é um qualquer crime que entretanto caiu no esquecimento, porque foi bem executado.