Vários críticos do Rendimento Básico Incondicional (RBI) consideram que o seu financiamento é inviável. João Cotrim Figueiredo, num dos debates televisivos que precederam as recentes eleições legislativas, comparou o custo anual do RBI a “salvar 20 vezes a TAP por ano”. Da mesma maneira, no seu texto publicado no “Expresso”, “E o Alasca desembarcou na campanha eleitoral”, Francisco Louçã estima o custo do RBI em 113,4 mil milhões de euros anuais.

Estas estimativas são exageradas. O actual montante associado ao limiar da pobreza é, segundo o INE, de 6.480 euros anuais, ou seja 540 euros mensais. Cerca de dois milhões de pessoas, um quinto da população portuguesa, vive abaixo deste limiar. Para que um RBI acabasse completamente com a pobreza, seria necessário um valor entre os 66,8 mil milhões de euros e 55,1 mil milhões de euros, dependendo da política relativa aos menores de idade. É um montante que corresponde a cerca de metade do valor avançado por Francisco Louçã.

Contudo, mesmo estes valores são enganadores. Este é o custo bruto, independente de qualquer tentativa de o financiar. Se o IRS for ajustado de forma a que 98% dos agregados familiares vejam um aumento da tributação inferior ao montante de RBI recebido – ou seja, que vejam um aumento líquido dos seus rendimentos disponíveis – o “custo líquido” (que teria de ser financiado por outras vias) pode descer até ser menos de 25% do seu “custo bruto”, dependendo da sua implementação concreta e dos efeitos de segunda ordem.

Adicionalmente, se as pensões de reforma superiores ao RBI forem ajustadas para manter o rendimento dos pensionistas com pensões superiores ao RBI e garantir que os pensionistas com pensões inferiores obtêm um rendimento igual ao RBI, o “custo líquido” pode descer até aos 3,4 mil milhões de euros (cerca de 1,5% do PIB). Outros ajustes poderão gerar poupanças acrescidas.

No entanto, o RBI não teria de ser financiado principalmente pelo IRS. Existem várias possibilidades de financiamento – umas mais baseadas na tributação do consumo, outras na tributação do património ou capital, outras de cariz monetário, outras orientadas para a supressão de externalidades negativas –, e a seleção deve resultar de um debate alargado, não podendo deixar de envolver escolhas políticas difíceis.

A implementação de alterações fiscais, económicas e sociais desta natureza pode, efectivamente, ser encarada como revolucionária, pela sua magnitude. Somos da opinião de que as reservas cautelosas de Francisco Louçã poderão ter alguma razão de ser, pese embora a ironia subjacente.

Talvez seja melhor não implementar o Rendimento Básico Incondicional “do dia para a noite”, mas sim de forma faseada. E fazê-lo de forma faseada implica passar pela encruzilhada que Louçã aponta no seu texto: começa-se por garantir um rendimento básico a uma parte da população que vai sendo gradualmente alargada até que a prestação se torne universal? Ou começa-se por implementar um rendimento universal a toda a população, aumentando gradualmente esse rendimento até que se torne básico?

Somos da opinião de que existe uma forte razão para escolher a segunda opção. O actual contexto exige uma acção urgente e determinada de combate às alterações climáticas, ao colapso da biodiversidade e a um conjunto de outros problemas ambientais que assumem cada vez mais os contornos de um desafio civilizacional.

A cobrança de impostos Pigouvianos (que agravam o custo dos produtos tendo em conta o seu impacto ambiental), diz-nos a teoria económica, poderá não apenas diminuir consideravelmente os impactos ambientais da actividade produtiva, como, além disso, fazê-lo da forma mais eficiente, na medida em que evita custos muito superiores no futuro. Se a receita de impostos deste tipo for distribuída igualmente pela população, todos aqueles com níveis de consumo inferiores à média (que é a vasta maioria da população, já que o consumo mediano é consideravelmente inferior ao consumo médio) irão ver o seu poder de compra aumentado.

A sociedade ganharia, no imediato, três vezes com uma solução desta natureza: diminuiria o impacto ambiental da actividade económica, aumentaria o poder de compra da generalidade da população, e veria os maiores aumentos por parte da população mais vulnerável e que mais precisa de apoio.

No longo prazo, seria ainda possível beneficiar da redução do impacto ambiental ao evitar catástrofes ambientais cujos custos humanos e materiais poderão ser comparáveis aos da Segunda Guerra Mundial. Além disso, abrir-se-ia uma porta para um RBI. Habituando-se a sociedade a esta “prestação universal em numerário”, o jogo de forças democrático poderá torná-la mais robusta se fenómenos como a automação o vierem a aconselhar. Estamos optimistas de que, criada esta ferramenta, a sociedade, em Democracia, a poderá usar da forma que melhor favoreça os interesses da generalidade da população.

Assim, afastando como excessiva a proposta de Louçã em relação ao custo do RBI (cerca de 54% do PIB), a implementação desta medida, mesmo com um custo líquido de 3,4 mil milhões de euros (cerca de 1.5% do PIB) a longo prazo, não precisaria de ser tão “revolucionária” como Louçã tenta sugerir se for implementada de maneira gradual, começando com uma experiência piloto em Portugal. Uma experiência deste tipo permitira avaliar os benefícios do RBI, que vão muito além dos económicos, como tem sido comprovado nas diversas experiências piloto que estão a ser realizadas pelo mundo atualmente.