As eleições presidenciais de 2021 enfrentam desafios como raramente um ato eleitoral alguma vez enfrentou em Portugal. Convocadas para 24 de janeiro, irão decorrer em pleno confinamento geral para fazer face a um novo pico pandémico, aumentando o risco de uma abstenção recorde.

Não bastasse este contexto de enorme incerteza no meio de uma crise de saúde pública, as presidenciais de 2021 contam com a participação de um candidato de extrema-direita que assume plenamente em debates que não será o presidente de todos os portugueses. A sua retórica agressiva de discriminação lançou alarmes e monopolizou grande parte da imprensa nacional e debates, com candidatos a tentar descortinar a melhor estratégia para lidar com tal fenómeno.

No último ano não têm faltado investigações jornalísticas em torno do partido Chega que o retratam como um projeto de poder minado por ligações criminosas. O seu líder, André Ventura, é o clássico demagogo oportunista, que segue a cartilha do trumpismo com afinco, e que arenga nas televisões num tom inflamatório e provocador contra os que “vivem à conta do Estado”. Nos seus discursos e debates, assume em pleno a discriminação contra as minorias étnicas, sendo o alvo mais vulnerável a população cigana.

Face a este enquadramento que dificilmente seria possível até há dois anos em Portugal, a pergunta mais insistente em todos os fóruns de discussão política é qual a melhor estratégia a adotar para lidar com a emergência da extrema-direita. Portugal beneficia de uma vantagem. Este é um fenómeno que chega ao país tardiamente. Muitos países europeus já passaram pela mesma situação e desafios, sendo as abordagens diferentes consoante a história do país e a sua cultura política.

No seu livro recentemente lançado em Portugal, “O Regresso da Ultradireita, da Direita Radical à Direita Extremista”, o investigador holandês Cas Mudde explora algumas abordagens valiosas para travar o crescimento e minimizar o impacto de grupos e partidos como o Chega. A proibição de partidos que assumem esta ideologia (a proposta de ilegalização do Chega é um dos temas recorrentes da campanha das presidenciais) poderia ser eficaz antes de ganharem um grande avanço eleitoral, porém, há sempre a possibilidade de reemergirem sob formas mais moderadas, pelo menos em termos da sua imagem pública, sem terem alterado a sua ideologia.

Mas como podemos propor a ilegalização de um partido com base no seu discurso e programa ideológico quando várias forças democráticas à direita começam a cooptar esse mesmo discurso? A radicalização crescente do PSD ou CDS-PP, que vão ao encontro do Chega, torna esta proibição um terreno pantanoso. E se, por um lado, ao excluirmos o Chega do debate político nacional não trava a sua ascensão, entrarmos num confronto direto de ideias acaba por normalizar esse discurso, retirando o partido da marginalização.

Como lidar com este fenómeno? Ninguém tem a resposta perfeita nem há uma única solução mágica, mas podemos olhar para os países vizinhos e descobrir onde erraram e onde acertaram nas suas múltiplas abordagens. Não estamos sós nem isolados. E talvez possamos começar também a ouvir com atenção o que está a tentar dizer-nos o eleitorado que vota na extrema-direita. Na política, temo-nos esquecido da arte de ouvir.