[weglot_switcher]

Como o Dieselgate está a transformar a Volkswagen

Depois do Dieselgate, a Volkswagen tem feito um esforço para se reinventar, maioritariamente através da descentralização do seu poder. Será desta que a marca alemã consegue voltar aos lugares cimeiros da credibilidade do mundo do automóvel?
16 Julho 2017, 11h00

Quando o patrão da VW, Matthias Mueller, prometeu reformar o construtor na sequência do Dieselgate, descentralizar o poder era uma prioridade. A face visível desta promessa foi a passagem para a Skoda da responsabilidade de construir um modelo low-cost para o mercado indiano. Assim, e desde março, é a marca checa que está na frente das conversações com os responsáveis da indiana Tata nesta parceria, tendo liberdade para agir de moto próprio, mas mantendo sempre informada a casa-mãe em Wolfsburgo.

Ao mesmo tempo que dá à Skoda o maior projeto desde que a marca passou a fazer parte do universo VW, o construtor alemão mostra que a liderança está a ser descentralizada, com cada região a tentar ganhar influência. Da mesma forma, a equipa de gestão de Mueller começou a reunir-se fora do quartel-general do Grupo no norte da Alemanha, o que aconteceu pela primeira vez em abril, com a reunião de Xangai.

De acordo com vários analistas, esta partilha do poder é importante porque muitas pessoas – tanto dentro como fora da VW – acreditam que foi o modelo autoritário de gestão levou a que os engenheiros da marca instalassem o trágico software que já custou à marca mais de 25 mil milhões de dólares em multas, reparações e retoma de veículos um pouco por todo o mundo.

Para alguns investidores, no entanto, não terá sido a a confluência entre uma urgência em atingir as metas propostas por patrões “não-presentes” e empregados demasiado receosos para revelar os problemas existentes que terá criado um dos maiores escândalos de sempre na indústria. Entre as causas apontadas figura a falta de abertura da marca a escrutínio externo, o que estes investidores pretendem combater com a contratação de diretores independentes para avaliar os executivos da empresa e com a contratação de gestores de fora do Grupo, ao invés de preencher os lugares de topo com “a prata da casa”.

Até agora, Mueller, que está na VW há 40 anos, rejeitou estas propostas de renovação, tal como a VW não publicou ainda o relatório que encomendou a uma firma de advogados dos EUA acerca do Dieselgate, afirmando que não o pode fazer ao abrigo do acordo fechado com as autoridades dos EUA. Mas a descentralização de Mueller pode ser a chave para conseguir alguns investidores, especialmente se se traduzir em melhores resultados financeiros.

Benefícios
Analistas citados pela Reuters afirmam que o domínio de Wolfsburgo sobre o maior construtor do mundo foi responsável pelo seu falhanço em alguns mercados-chave, incluindo os EUA, onde a VW se esforçou por adaptar-se aos gostos locais, e os mercados emergentes, onde o foco na excelência dos engenheiros alemães não possibilitou a criação de modelos verdadeiramente low-cost. O Lupo deixou de ser produzido depois de menos de uma década no mercado, o mesmo destino que teve uma parceria com a Suzuki, que nunca chegou a ver a luz do dia.

Caso o projeto da Skoda seja bem-sucedido, esta poderá ser uma importante fonte de receita para o Grupo, conseguindo uma parte de um dos mercados mundiais com maior dimensão e de crescimento mais rápido. Mas o mercado indiano não é fácil. Que o diga a General Motors, que decidiu abandonar o mercado por causa da feroz concorrência.

Persistem ainda algumas questões acerca de quão descentralizada está a marca. Por exemplo, quando a fábrica da marca em Tennessee (EUA) teve dificuldades em aumentar a produção do novo SUV, o Atlas, Wolfsburgo vetou uma extensão do contrato ao CEO da unidade, de acordo com a Reuters, que cita fonte da marca alemã. Por sua parte, a VWafirmou apenas que o responsável regressava à Alemanha depois de ter cumprido a sua missão.

Mas a culpa desta aparente “não-descentralização” pode não provir de Mueller. O Estado alemão da Baixa Saxónia, juntamente com os seus poderosos sindicatos, pode ser um dos principais travões a esta descentralização. Com poder sobre o encerramento de unidades e da nomeação de executivos, este Estado é o que mais tem a perder com a descentralização do poder para as várias regi~ºoes onde a VW está presente. A sua liderança apoia as reformas de Mueller, mas com reservas, afirmando que os empregados deveriam estar envolvidos nestas mudanças e que as mesmas não deveriam ser implementadas “de cima para baixo”: “Uma mudança de cultura só pode ser bem-sucedida em conjunto com todos os participantes”, afirmou à Reuters o primeiro-ministro da Baixa Saxónia, Stephan Weil.

maior parte das reformas de Mueller têm como objetivo dar mais poder aos empregados, ao mesmo tempo que quebram as barreiras com os executivos. Algumas das mudanças têm sido simbólicas, como a venda do Airbus da VW ou abrir a sala de jantar dos executivos aos empregados da fábrica de Wolfsburgo. Outras são mais fundamentais, tal como dar mais poder aos engenheiros seniores para controlar orçamentos e prazos, afirmam algumas vozes do interior da VW.

Mueller está também a diminuir o número de comités corporativos em um terço, e os empregados já notam a diferença. Além disso, e para encorajar a inovação e a assunção de riscos, a VW está a considerar aumentar o salário dos seus 20 mil gestores em todo o mundo, conforme adiantou o responsável pelos recursos humanos do grupo, Karlheinz Blessing. O próprio Blessing está a tentar levar adiante a mudança na cultura empresarial, ao deixar de lado o carro da empresa e usar uma bicicleta para se movimentar pela fábrica.

Elmar-Marius Licharz, um dos quatro novos responsáveis de linha de montagem na VW, afirmou à Reuters que “envolver o CEO no desenvolvimento de cada modelo cria muitas limitações em termos de tempo”, acrescentando: “Agora, tudo gira em torno da colaboração e da autoconfiança”.

Será este o caminho que o gigante de Wolfsburgo terá de trilhar para voltar à ribalta?

 

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.