Num ano marcado pela significativa alteração dos comportamentos da grande maioria dos consumidores, os dados acerca da forma como se paga em Portugal são um indicador relevante acerca do mercado de pagamentos e claramente uma referência para o futuro.

De acordo com dados recentemente divulgados pelo Banco de Portugal, acerca da evolução do mercado de pagamentos em Portugal no ano de 2020, o meio de pagamento mais utilizado são os cartões que representam 85% do total dos pagamentos efetuados, incluindo pagamentos em TPA (Terminal de Pagamento Automático) e Online (CNP – Card not Present).

O peso dos cartões é absolutamente esmagador face a outros meios de pagamento: os Débitos Diretos representaram 7,2%, as Transferências 6,6%, os Cheques 0,7% e as Transferências imediatas 0,2%, do total dos pagamentos efetuados em 2020 em Portugal.

Claramente, os Cheques caminham para a inevitável extinção enquanto meio de pagamento. Nesta área o Banco de Portugal, no âmbito da “Estratégia Nacional para os Pagamentos de Retalho – Horizonte 2022”, deverá realizar um trabalho de identificação de diplomas legislativos e outros normativos que ainda imponham ou privilegiem a utilização de instrumentos de pagamento baseados em papel, como o cheque.

Outro dado muito relevante relativamente aos pagamentos com cartões é que, mesmo com esta preponderância face a outros meios de pagamento, a taxa de variação homóloga é negativa em número de transações e em valor, com variações negativas de 11% e 6% respetivamente. Este é um claro e significativo indicador do impacto da pandemia na economia nacional no ano de 2020.

Independentemente deste decréscimo, circunstancial, o caminho para a digitalização dos pagamentos é imparável.

E é neste contexto de mercado de pagamentos que o Banco Central Europeu prepara o lançamento da sua própria moeda de banco central – o euro digital.

O impacto da criação de um euro digital será enorme. Desde logo porque sendo uma moeda digital de banco central, significa que poderemos não necessitar de ter uma conta bancária para a movimentar nem de um cartão para pagar. Acha estranho? Já hoje ao utilizar o MBWay, o Apple Pay ou o Google Pay como forma de pagamento não está a utilizar um cartão físico. Na verdade, está a utilizar uma wallet digital, que por acaso, está indexada a um cartão de pagamento e este por sua vez a uma conta bancária.

Com o euro digital (ou qualquer outra moeda digital de banco central), a possibilidade de o utilizador não necessitar de uma conta num qualquer banco abre caminho a mais serviços e eventualmente a uma maior desintermediação, na prática, como qualquer inovação tem vantagens e desvantagens.

Uma moeda digital de banco central terá de funcionar apoiada numa infraestrutura própria, em que o pagamento e o processamento são geridos autonomamente aos sistemas de processamento atuais (ainda que destes possam também receber transações, como é óbvio). Abre também espaço à inovação nos meios de pagamento. Se não são necessários cartões (nem dinheiro físico), os consumidores passam a ter carteiras digitais.

Na verdade, já hoje quando saímos à rua não necessitamos de levar a carteira. Para pagar podemos usar uma qualquer wallet ou app instalada no nosso smartphone, e já são muitas. Desde as apps dos bancos e de fintechs agregadoras, às apps dos sistemas operativos dos smartphones, passando pelas apps das grandes cadeias de retalho com as quais já é possível pagar. Para nos identificarmos podemos usar uma app do estado, onde temos o cartão de cidadão, carta de condução e até o documento único automóvel pode ser lido através de uma app.

Maior digitalização significa mais facilidade de utilização, maior conveniência e mais segurança (aqui com maiores desafios). Abre caminho a novos serviços, a maior personalização dos produtos e serviços e a uma maior integração entre todos os intervenientes no ecossistema de pagamentos.

Em 1994 Bill Gates proferiu uma fase que, à época causou grande polémica por não ter sido totalmente compreendida, mas que poderá ser um princípio orientador da estratégia de muitos bancos para o futuro “banking is essencial, banks not”, ou seja, os serviços bancários são essenciais, mas os bancos tal como hoje os conhecemos não.

Isto não significa que não necessitamos dos bancos. Significa sim que o modelo de negócio dos bancos tem de mudar.

Talvez, muito em breve, tenhamos bancos tradicionais a transformarem-se em marketplaces, onde comercializam produtos e fornecem serviços financeiros tradicionais, mas também vendem produtos de terceiros, já com financiamento e outros serviços incluídos (por exemplo automóveis) e empresas tecnológicas a fornecerem produtos financeiros e serviços de pagamentos, enquanto gerem o seu marketplace natural.

A integração é o futuro e a convergência cross-industry, onde dados, pagamentos, segurança e, claro, produtos e serviços constituíram um ecossistema simples, conveniente e dinâmico em função das necessidades e mudança no comportamento dos consumidores.