Vivemos períodos de incerteza, de novos hábitos de consumo (forçados, porque temos de estar em casa) e com a maior preocupação da nossa vida. Lembremo-nos que a esmagadora maioria da população ativa nunca esteve em ambiente de guerra e que tem (tinha) como adquirido a segurança, a liberdade de movimentos e razoável confiança na cura/mitigação das principais doenças.

Nesta nova guerra contra um inimigo invisível, e por isso muito mais incerto, iniciámos, há cerca de uma semana, novas formas de trabalho, restrições de horários, fecho de lojas, falta de produtos nas prateleiras, aulas desde casa, que nos têm deixado exaustos, até ao raramente decretado Estado de Emergência.

Mas, na minha opinião, genericamente a adoção e resposta de novos hábitos dos portugueses foi rápida. Veremos agora se a disseminação do vírus mostra indícios de abrandamento nos próximos tempos.

Passadas as questões técnicas, não posso deixar de dar aqui os parabéns às equipas de TI, responsáveis pela reorganização das formas de trabalho. E uma vez que não posso ajudar em questões médicas (e confio nos excelentes profissionais que têm esta missão), e partindo do princípio que as empresas estão a acautelar a segurança dos seus colaboradores (pelo incentivo ao teletrabalho ou condições de distância física aos clientes e medidas de proteção), penso que devemos desde já olhar para outra crise que, todos em conjunto, conseguimos e temos o dever de nos esforçar para minimizar: a crise económica que o nosso país vai enfrentar, e a sua dimensão, dependem das medidas que tomarmos agora.

A primeira reação de muitas empresas foi o congelamento de investimentos/custos já programados, desde campanhas de publicidade, formação, dispensa de trabalhadores em regime de outsourcing, obras em infraestruturas, estudos e projetos de consultoria, processos de recrutamento, entre outros. Reação normal, ao prever-se a diminuição das vendas e a necessidade de reorganização das estratégias.

Mas se tivermos em vista as previsões mais otimistas de que esta nova realidade durará no mínimo dois a três meses, e se mantivermos o congelamento de investimento estamos simplesmente a parar a economia, o que leva também a menos disponibilidade financeira dos consumidores e, logo, menos predisposição para adquirirem os nossos produtos/serviços.

É uma “pescadinha de rabo na boca”, que só se tornará um círculo virtuoso se as maiores empresas (que ainda não sofreram quebra de vendas) voltarem aos compromissos anteriores.

Contudo, para além da responsabilidade social para com o país, que deve haver, os CEO e Board Members não devem tomar esta decisão apenas no interesse global, mas também, e fundamentalmente, no seu próprio interesse. Só com uma economia ativa e uma reformulação das estratégias conseguirão atingir os objetivos. Perante a nova realidade de lojas fechadas e trabalhadores em casa, a quem devem continuar a pagar salário, urge redefinir rapidamente modelos de negócio e pensar como podem vender e entregar à distância.

Neste momento, temos 42% dos portugueses em regime de teletrabalho e 14% deixaram de poder trabalhar e encontram-se em casa, segundo dados da Markest. Tendo mais de metade da população portuguesa no seu domicílio, que terá de consumir e trabalhar a partir daí, as empresas que mais rapidamente reagirem a este novo normal lograrão os seus objetivos.

Assim, deverão ter uma aposta incondicional nos canais digitais e vendas à distância (soluções de contact center), perfeitamente compatível com o trabalho #FiqueEmCasa.

Ao nível da oferta, as empresas terão de requalificar os seus colaboradores para que passem de vendedores de loja para vendedores online – existem boas soluções de cal centre e chat que permitem a um vendedor de loja passar a ser um apoio do vendas online a partir da sua casa – e em vez de ser um trabalhador parado, porque a loja foi encerrada, passa a ser um recurso válido e precioso, porque o volume nos sites das marcas vai aumentar.

A equipa de compras terá de começar a pensar em negociar destaques no site da marca e nas suas newsletters com os produtores, em vez de destaques no linear e presença em folhetos. A equipa de logística terá o desafio de reconverter, possivelmente os repositores, em motoristas de entregas, alugar rapidamente mais carrinhas e/ou fazer acordos com companhias de distribuição last mile de pequenos pacotes e até ser criativo ao ponto de recorrer a empresas de entrega de refeições em períodos mortos de entregas.

O armazém do e-commerce tem de crescer e, possivelmente, usar como entrepostos lojas fechadas ao público, mas que já têm stocks e podem armazenar mais produtos para distribuições regionais.

Existem obviamente mais desafios, mas também soluções, apenas quis avançar com alguns exemplos que antes nos pareciam impensáveis, mas que nesta nova realidade imposta somos obrigados a encontrar soluções “out of the box”, sob pena dos negócios colapsarem. Não podemos ter colaboradores parados em casa e esperar que as lojas físicas abram para retomarmos o que tínhamos como certo.

Ao nível da procura, esta também tem de ser estimulada e apressada, com novas mensagens que façam ver ao consumidor que ele não pode deixar de viver e que está longe de voltar atrás.

Com lojas e escolas fechadas, os pais (e a população em geral) vão ter de providenciar uma “sala de aula” em casa, idealmente com um computador por filho, uma impressora com scanner, espaços separados de leitura e estudo, internet mais rápida em casa para live streaming, espaços/materiais de desporto, pagar aulas de personal trainer, explicações de matemática, guitarra e ioga (tudo à distância de um ecrã).

Mas não só. Também vão ter de aprender a escolher online desde roupa a materiais de decoração sem tocar, nem ver ao vivo (mas com a garantia de troca e devolução), receber café e tabaco de encomendas online e continuar a oferecer flores, mas através de um estafeta. E mais uma imensidão de outros produtos e serviços a adquirir online.

Para isso, as marcas devem desde já desbloquear os seus investimentos em publicidade (depois das devidas alterações de mensagem), até porque mais do que nunca os consumidores estão ávidos de “boas notícias” que as marcas trazem, através da televisão (as audiências então em casa, no último fim de semana bateram-se recordes de cobertura com 8,3 milhões de portugueses a verem TV, e o tempo de consumo passou para as 6,30 horas) e o digital cresceu cerca de 50% de tráfego nos media nacionais, a par do consumo de vídeo online, que registou uma tendência de crescimento de 20%.

Esta alteração das estratégias tem riscos controlados, porque a data guia-nos e os números já mostram esta realidade e por isso o shift vai sendo feito com peso e medida, mas não podemos ser velhos do Restelo que mesmo com números sólidos, congelamos investimentos até melhores dias.

Podemos sair desta crise económica mais fracos ou mais fortes, pois este percurso já era inevitável, mas estava a evoluir lentamente. Se agora de forma forçada o consumidor altera os seus hábitos, porque não vermos esta contingência como uma oportunidade de mudança para o futuro, e desde já como uma forma de diminuir perdas?