Para assinalar o Dia Mundial da Poupança, que se celebra hoje, 31 de outubro, o Jornal Económico foi ouvir as escolas de economia e gestão sobre o que pode ser feito para aumentar a literacia financeira dos portugueses, lanterna vermelha na Europa nesta matéria. O Dia da Poupança foi criado para alertar os consumidores para a necessidade de disciplinar gastos e de poupar, de forma a evitar situações de sobreendividamento.
Susana Jorge, cocoordenadora do Mestrado em Contabilidade e Finanças da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC)

A reduzida literacia financeira pode criar constrangimentos à vida quotidiana da maioria dos cidadãos, como seja numa simples ida ao banco, no recebimento do seu salário ou pensão, ou no pagamento dos seus impostos. Com frequência, o pouco entendimento da informação que lhes é facultada leva à necessidade de procurarem terceiros, por vezes estranhos, em quem se veem obrigados a confiar aspetos importantes da sua vida financeira.
Graças a projetos que se têm desenvolvido ao nível do ensino não superior, nas gerações mais jovens este problema pode já estar a ser mitigado, mas estas iniciativas são ainda de alcance muito limitado, e não costumam abranger gerações mais velhas.
As instituições de ensino superior têm um papel fundamental, quer pelos graus académicos que conferem, quer noutras iniciativas nas áreas contabilístico-fiscal e financeira, acessíveis a um público mais alargado além do universitário. Nas licenciaturas das áreas da Gestão e Economia, bem como em mestrados ligados à Contabilidade, Fiscalidade e Finanças, há preocupação em formar especialistas que tragam contributo fundamental para o florescimento das entidades empresarias e públicas, e também para a vida financeira dos cidadãos em geral. Procuramos formar profissionais com princípios éticos, responsabilidade social e ligados a profissões de interesse público (como por exemplo, gestores, contabilistas, bancários, fiscalistas, …) para ajudar entidades económicas, mas também que inspirem confiança para ajudar quem já não tem idade para estudar.
As facultades e escolas superiores nestas áreas têm, de facto, uma responsabilidade acrescida na promoção da literacia financeira, diretamente nos seus cursos, mas também na oferta de unidades curriculares em outros, por exemplo, das áreas das ciências físicas e naturais ou das engenharias.
Por outro lado, as instituições de ensino superior são fonte de conhecimento e transferência de saberes para a sociedade. Podem oferecer cursos breves de formação especializados em diversas matérias financeiras, a baixo custo ou sem qualquer custo para quem os frequenta, não só presenciais como em plataformas de e-learning, que facilitam horários e acessibilidade. Podem criar materiais digitais (slides, pequenos vídeos, …), que promovam a literacia financeira gratuitamente, a serem distribuídos, por exemplo, pelas redes sociais a que cidadãos das mais diversas idades acedem, e assim alcançar uma audiência mais vasta e diversificada. Tais iniciativas podem ser desenvolvidas em parcerias com autoridades locais, como câmaras municipais e juntas de freguesia.
João Duque, Raquel M. Gaspar e Tiago Cruz Gonçalves, Coordenadores do Master in Finance e da Pós-Graduação em Análise Financeira do ISEG



A literacia financeira inclui múltiplas dimensões, tais como o conhecimento dos conceitos, produtos e agentes do sistema financeiro, para além da capacidade de aplicá-lo nas decisões individuais e no bem-estar financeiro.
A educação é a área em que mais trabalho público tem sido realizado, a exemplo do plano nacional de formação financeira. Também é nela que assenta a mensuração da literacia financeira. No entanto, muito trabalho há ainda a desenvolver para melhorar a educação financeira, que se demonstra estar associada à literacia entendida também na capacidade de aplicar esse conhecimento. A definição de uma estratégia nacional deve promover parcerias de intervenientes públicos e privados, conducentes a melhorar a qualidade da educação financeira, a promover a sua extensão a todos os indivíduos, e a integrar a sua mensuração e avaliação de impactos. A qualidade resultará da adequação da mensagem e do meio ao recetor. A introdução de conteúdos específicos para cada ciclo de vida é disso exemplo, acompanhando as diferentes necessidades financeiras do indivíduo. O uso das redes sociais é hoje vital para o sucesso de uma capacitação financeira de toda a população. Adicionalmente, deve avaliar-se a integração de uma disciplina de educação financeira no curriculum do ensino obrigatório, e não apenas a sua inclusão em diferentes disciplinas.
Também a identificação de lacunas em indivíduos menos impactados pelos programas deve ser analisada. Experiências internacionais demonstram que estes programas tendem a obter mais atenção por parte dos mais letrados. Estratégias com meios de divulgação mistos que promovam a captação das franjas mais difíceis de atingir (os jovens, as mulheres, os mais velhos e com menores rendimentos) são fundamentais.
Por fim, é fundamental promover a aplicação desses conhecimentos enfatizando, por exemplo, o impacto das decisões financeiras correntes na alocação por categorias dos gastos e a sua relação com os rendimentos, a promoção de informação relativa aos riscos e a sua ligação a metas temporais.
No mundo atual, a literacia financeira é tão fundamental quanto a aritmética ou a língua Portuguesa, com as devidas proporções.
Miguel Ferreira, professor catedrático e que detém a Cátedra BPI | Fundação “la Caixa” de Finanças Responsáveis da Nova School of Business and Economics

Estudos internacionais demonstram que a baixa literacia financeira não é apenas um problema dos países em desenvolvimento ou das classes socioeconómicas mais desfavorecidas dos países desenvolvidos, como é o caso de Portugal que, num recente estudo internacional, apresenta o pior índice de literacia financeira da Zona Euro (Klapper and Lusardi, 2020). Qualquer intervenção que vise atenuar o problema da iliteracia financeira deve ser escalável e adaptada a cada público-alvo concreto (Lusardi, 2019). As necessidades e lacunas de literacia financeira são bastante distintas, pelo que apenas com programas adaptados às necessidades da audiência se pode ter um maior impacto. É preciso ainda reconhecer que o problema não se resolve no curto-prazo ou com intervenções esporádicas, mas sim através de programas contínuos, com impacto permanente, e com uma avaliação da sua eficácia que siga metodologias robustas do ponto de vista científico.
Uma franja da população importante é a mais jovem, atendendo a que a mudança de hábitos e comportamentos é mais difícil em idades mais avançadas. Nesse sentido, está a ser feito um caminho importante ao serem introduzidos temas de literacia financeira no programa de Matemática do ensino secundário a partir de 2024. Nos Estados Unidos, foi encontrada uma relação entre a existência de conteúdos financeiros no programa do ensino secundário e uma redução nos incumprimentos de crédito por parte de jovens adultos (Urban et al., 2020).
Ao nível do público adulto, as universidades podem desempenhar um papel importante se realizarem um esforço de promover formações nesta área, promovendo a interação entre a academia e a sociedade civil. A Nova SBE, em parceria com a Fidelidade e a CFA Society Portugal, estão a promover o programa “Finanças para Todos”, que visa dar formação gratuita em literacia financeira a quem demonstre interesse em aprender e que espera poder ser replicado noutras regiões do país.
Outra forma de resolver o problema pode passar por criar incentivos para que as empresas dotem os seus colaboradores de maior conhecimento financeiro, o que produziria benefícios para ambas as partes. À partida, este tipo de programas teria maior impacto na sociedade se fossem prosseguidos por empresas com um elevado número de trabalhadores e com salários médios baixos, como é o caso do setor do retalho alimentar.
Luís Pedro Krug Pacheco – Professor de Finanças, Mercados Financeiros e Fusões & Aquisições na Católica Porto Business School

É uma questão que me faz recordar um pouco a banda sonora da “Missão Impossível”. Os meus 32 anos a lecionar finanças mostram-me que realmente é possível, mas cada vez mais difícil porque com a complexidade da atividade económica a crescer, as confusões neste domínio também aumentam exponencialmente. Em primeiro lugar, o que é realmente literacia financeira. Veja-se a definição de literacia financeira pela OCDE e pela International Network on Financial Education publicada em 2015: “A combination of awareness, knowledge, skill, attitude, and behaviour necessary to make sound financial decisions and ultimately achieve individual financial well-being”. Mesmo esta definição apresenta problemas, como por exemplo, a possível confusão entre “desempenho e acaso” com literacia financeira. Claramente, tomar decisões que exigem “expertise” financeiro podem ser efetuadas por pessoas com e sem literacia financeira e os resultados serem similares ou inversamente relacionados. Exemplificando: investir em ativos especulativos como cripto moedas revela literacia financeira? Ser bem ou mal-sucedido neste investimento revela literacia financeira? A única resposta fácil a estas questões é a de que “muitos” que foram bem-sucedidos acham por consequência que têm a literacia financeira necessária.
Depois é também urgente esclarecer outras questões neste domínio, como sejam a grande diferença entre literacia financeira e literacia económica, o papel distinto mas complementar dos mercados financeiros e do Estado na atividade económica, o significado e o papel do risco e da incerteza nos mercados financeiros, a importância das Bolsas e dos preços no mercado financeiro, et cetera. Todas estas questões e outras não são nada simples de resolver e esta dificuldade aumenta ainda mais se pensarmos no caso português onde a “perseguição” ao “lucro”, o desincentivo ao sucesso e a “presunção do dinheiro fácil” proveniente dos mercados financeiros é cada vez mais uma realidade generalizadamente aceite.
Cristiana Cerqueira Leal, Professora da Escola de Economia e Gestão e Investigadora do NIPE – Núcleo de Investigação em Políticas Económicas e Empresariais, Universidade do Minho

Literacia financeira significa ter conhecimento, confiança e motivação para gerir, poupar e investir dinheiro de forma eficiente e eficaz, numa perspetiva de longo prazo. Portugal apresenta níveis de literacia financeira baixos quando comparado com os seus pares da União Europeia, como foi assinalado no último Boletim Económico do Banco Central Europeu de 2021. Para aumentar a literacia financeira é necessário investir em educação financeira, bem como melhorar a aptidão e atitude face a assuntos de natureza financeira. Por exemplo, a generalidade das pessoas sabe que deve fazer exercício físico mas isso não significa que o façam. De igual forma, na literacia financeira não basta ter o conhecimento, é também necessário ter a atitude e a motivação para os aplicar.
A solução mais evidente para produzir decisões financeiras sólidas é desenvolver a literacia financeira desde idades muito precoces, altura ideal para fomentar uma atitude assertiva face ao dinheiro. O Referencial de Educação Financeira de 2013 e a Estratégia Nacional para a Cidadania de 2018 definem objetivos de educação financeira para todos os níveis de ensino obrigatório, começando no pré-escolar. Contudo, na prática, a maioria dos estudantes terminam o ensino obrigatório sem abordar conteúdos financeiros de forma relevante. É, assim, imperativo integrar a literacia financeira nos currículos escolares, de forma coordenada e sistemática, ao longo dos vários ciclos de ensino, seguindo as melhores práticas internacionais.
Não obstante, a melhoria dos níveis de literacia financeira pode ocorrer em todas as idades e ao longo da vida, sendo a aprendizagem através da experiência o processo mais comum. Porém, essa aprendizagem tende a ser mais casuística e a excluir aqueles que são financeiramente menos resilientes. Uma outra abordagem que tem vindo a ganhar importância, preconizada por governos e instituições governamentais, para melhorar o comportamento e o bem-estar financeiro é a utilização de intervenções quase impercetíveis para orientar os processos de decisão, sem retirar liberdade de escolha ou eliminar opções. Estas intervenções, nudges na terminologia anglo-saxónica, integram conhecimentos de economia comportamental, enfatizando, moldando e pré-definindo as opções para incentivar a melhor decisão financeira.
Em conclusão, é necessária uma abordagem holística que considere diversas demografias e estágios de conhecimento.