A reunião do Eurogrupo

1. Tenho escrito várias vezes que, em todos os momentos significativos da vida, há um antes e um depois, que marcam o processo.

Mário Centeno tem a incumbência, como presidente do Eurogrupo, de evitar o seu “desmoronamento” e de levar o barco a bom porto, perante uma via sinuosa, e o perigo de encalhar e adornar é muito grande. Daí, a explosão, as palmas, de como quem sente, felizmente, ainda não foi desta que o barco se desfez.

O antes foi toda aquela maratona conturbada da negociação com nuvens muito negras a pairar, com os comportamentos impróprios dos políticos holandeses, o que faz parte do seu ADN, todo aquele processo em que a ruptura parecia/seria fatal.

Como resultado, uma saída, sem dúvida, um alívio e uma grande e completa frustração de fundo dos europeus. No limite, evitou-se, por agora, a fragmentação da zona euro. E depois? A grande incerteza.

O pacote aprovado de cerca de 540 mil milhões de euros, aparentemente aparece-nos como uma soma de peso. Não nos podemos esquecer, no entanto, que são muitas as bocas. E comparando com os 750 mil milhões de euros que a Alemanha de motu proprio avançou para apoiar a sua recuperação, a relativa pequenez destes milhares de milhões de euros aprovados no Eurogrupo não escapa ao mínimo confronto.

A Alemanha sozinha dispõe de 210 mil milhões de euros a mais que toda a União disponibilizou! Qualquer coisa aqui não está bem. Umas migalhas para “os fracos” do Sul, com países da dimensão da França, Itália e Espanha! Surreal.

2. Os 540 mil milhões de euros estão divididos por fatias: 100 mil milhões destinados a custear o lay-off (programa Sure) e os horários reduzidos para que as pessoas se mantenham no activo; 200 mil milhões através do BEI traduzem-se em linhas de crédito às empresas, sobretudo de apoio às PME; e, finalmente, a de 240 mil milhões de euros, a mais contestada e a mais gravosa, a tranche que empurra cada país a resolver sozinho a sua situação.

E porquê esta afirmação?

Estes 240 mil milhões de euros traduzem-se em linhas de crédito a obter junto do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), mais conhecido pelo mecanismo da austeridade dos tempos da troika, pela sua política de imposição de programas de ajustamento.

Cada Estado-membro que decida recorrer a este empréstimo pode fazê-lo até um montante equivalente a 2% do seu PIB.

O que ficou então acordado?

Uma taxa de juro mais baixa e a não obrigatoriedade de tal empréstimo estar sujeito a um programa de ajustamento. Foi esta questão de condicionalidade que ia partindo a reunião, que sofreu um alívio contra a vontade da Holanda e inicialmente de outros três países. Mas os 2% continuam. E este crédito apenas pode ser utlizado em despesas directas e indirectas com a saúde, o que já está a originar discrepâncias de entendimento sobre o conceito “despesas indirectas” entre os países membros.

3. Uma vez mais não se entrou a fundo no problema financeiro e de desenvolvimento da UE e, assim, daí decorrem condições desiguais entre as economias mais devedoras e as mais desafogadas.

Vejamos:

O que ficou decidido assenta directamente em dívida a suportar por cada país membro.

Os países com dívida excessiva como Itália, Portugal, Espanha, Grécia vão ter de somar mais dívida à dívida, um agravamento da sua situação presente, tanto mais que se esperam grandes recessões económicas com contracções substanciais do PIB e, subindo o rácio dívida/produto estrondosamente, as condições de mercado vão complicar-se. O rating vai deteriorar-se.

Estes países vão enfrentar grandes dificuldades na obtenção de financiamento a baixo custo, de que tanto precisarão para o seu relançamento económico e para funcionamento normal da economia, e os custos com a dívida vão onerar os orçamentos, limitando-lhes pesadamente a actividade.

Portugal pode contrair dívida um pouco acima de 4 mil milhões de euros, uma gota de água do que vai precisar. Em comparação com o montante do tempo da troika, financiamento aproximadamente no montante de 78 mil milhões, são mesmo muitos mil milhões a menos.

Este acordo, há quem refira, é apenas o princípio. Até admito que seja.

Mas se já foi difícil para um montante tão diminuto que apenas se reduzissem certos aspectos dos condicionalismos de acesso, o que não acontecerá para se avançar com a vaga promessa da criação de um fundo destinado especificamente ao relançamento da economia europeia a ser gerido pela Comissão Europeia?!

Daí que esteja de pé a afirmação do primeiro-ministro António Costa na entrevista à Lusa: “precisamos de saber se podemos continuar com 27 países na União Europeia, com 19 na zona euro, ou se há quem queira sair”e claramente disse que se referia à Holanda.

Em minha opinião, começa a ser tarde para se equacionar uma depuração no seio da União. Não avança, pelo contrário, perde poder na arena internacional com estes dois grupos antagónicos no seu seio. Um grupo que aponta sistematicamente para soluções base na aplicação de medidas de austeridade é castrador de progresso. Ofende princípios fundacionais da União, como a solidariedade.

A dimensão dos impactos na economia

4. O quadro qualitativo dos efeitos na economia da crise pandémica em curso está desenhado.

Quantificar é deveras mais arriscado. Mas várias instituições, como o FMI, já avançam nesse sentido apontando uma queda do PIB de 8% e uma taxa de desemprego de 14% em Portugal, em 2020.

Mário Centeno avançou que, por cada 30 dias úteis de paragem da economia portuguesa, nas condições presentes do seu funcionamento, o impacto no PIB anual é de uma quebra de 6,5%. No défice também o Ministério das Finanças já tem valores estimados.

E qual será no emprego?

Tudo isto está condicionado – à grande incerteza – i.e., ao número de meses em que vamos continuar ao ritmo actual.

E, depois, poderemos pensar em sectores importantes como o turismo, os transportes aéreos, certas zonas do comércio e serviços praticamente congelados e muitos outros, a velocidade reduzida. E as exportações?

Sobre o turismo, a grande questão é: em que situação ficará a economia dos mercados emissores? Lembremo-nos de Espanha que sairá destroçada desta crise pandémica e de outros e outros nossos mercados… Quantos anos demorarão estes países a reerguer-se?

As nossas exportações têm um problema semelhante. Como vai ser possível retomar o seu fluxo ao padrão normal quando os mercados de destino se encontram em situação de ruína? Quanto tempo levará a sua reconstrução?

E, internamente, ao nível do País, que parte do tecido económico será destruída. Ou seja, qual o número de empresas que jamais abrirá nos diversos sectores económicos? E qual a sua importância?

Todas estas dúvidas/certezas qualitativas apontam para a necessidade de um plano estratégico de recuperação da economia e da sociedade. Mesmo com a informação precária existente urge começar. Mas há aqui um outro problema da maior importância. Onde encontrar o financiamento para reconstruir a economia em bases diferentes e em quantos anos?

Tudo isto sem contar com a União Europeia, ou contando muito pouco, pois em vez de uma programação e estratégia de fundo está a perder-se a guerra com divergências insanáveis entre os países. Se não houve entendimento sobre o custeio da pandemia, que deveria ter assumido um carácter colectivo, como haverá para o fundo de reconstrução/relançamento da economia europeia?!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.