Conhecer melhor os outros é a chave para um mundo melhor

É necessário conhecer melhor as outras religiões. A verdadeira defesa do terrorismo passa, segundo o vice-reitor da Católica, José Tolentino Mendonça, por um maior conhecimento dos outros e um maior entendimento da pluralidade. A grande lição estava, afinal, guardada para o fim do debate que juntou, na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, o vice-reitor da […]

É necessário conhecer melhor as outras religiões. A verdadeira defesa do terrorismo passa, segundo o vice-reitor da Católica, José Tolentino Mendonça, por um maior conhecimento dos outros e um maior entendimento da pluralidade.

A grande lição estava, afinal, guardada para o fim do debate que juntou, na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, o vice-reitor da instituição, padre José Tolentino Mendonça, o diretor da Faculdade de Direito, Jorge Pereira da Silva, o penalista da Católica Research Centre for the Future Law, Pedro Garcia Marques, o militar Francisco Proença Garcia, do Instituto de Estudos Políticos da UCP, e um jornalista, João Miguel Tavares. Já no período de perguntas e respostas, um jovem levantou-se da cadeira e identificou-se: “Sou um muçulmano que estuda
numa Universidade Católica.” Defendeu que o pluralismo é uma riqueza e que devemos tratar os outros, sejam eles Cristãos, Judeus ou Muçulmanos como gostaríamos de ser tratados, isto é, com amor. Ao choque de civilizações, de que muito se tem ouvido falar nestes dias, contrapôs o “choque de ignorância”. Esse é que é o problema.“Talvez devamos conhecer mais sobre as outras religiões” – avançou. Sentiu-se ofendido com as caricaturas? – perguntou o moderador, o jornalista, José Manuel Fernandes. “De maneira nenhuma”, respondeu.

O jovem estudante da Católica como que retomou o pensamento do vice-reitor da casa que, minutos antes, considerara que o problema é o “défice de conhecimento” que as sociedades têm umas das outras. Tolentino Mendonça começara por lembrar que o rir e o humor estão presentes nos Evangelhos e que a sátira, lado mais radical do humor, é pouco acolhida no interior dos sistemas de poder, sejam eles sociais ou religiosos. O riso desestabiliza, põe a nu a rigidez, é corrosivo em relação ao poder. Não é por acaso, salientou, que o Cristianismo passou pelo crivo da modernidade, que o põe em causa. “Internamente o Cristianismo tem feito o caminho de descobrir o cânone dentro do cânone”. Tem integrado o heterogéneo, tem percebido que, o que blasfema, não deve ir para a fogueira. “O grande conflito é o conflito da interpretação”, vincou.

O Cristianismo pode ser interpretado de forma que o torna uma arma de guerra contra os outros. E o mesmo acontece com as outras religiões. Neste contexto, há todo um património que as sociedades precisam valorizar. “O grande problema é o défice de conhecimento em relação aos outros”, frisou. As sociedades europeias são hoje “arquipélagos”, “colónias internas”, mergulhadas no seu “umbigo”, na “tradição”. Têm  dificuldade em reconhecer o que já as habita: um europeu de hoje é muito diferente do que era um europeu no século XIX e menos ainda no século XVI. “Temos de civilizar isso. O papel das religiões no espaço público tem de ser valorizado”, salientou o padre Tolentino Mendonça, que prestou tributo à forma de paz religiosa como se vive em Portugal.

O recente atentado ao jornal satírico francês “Charles Hebdo” espoletou, um pouco por todo o lado, o debate sobre o papel da liberdade de expressão na era do terrorismo global. Segundo o vice-reitor da Católica, “a verdadeira defesa há-de passar por um maior conhecimento e um maior entendimento da pluralidade”.

Jorge Pereira da Silva, constitucionalista, diretor da Faculdade de Direito da UCP, esgrimiu o ponto de vista do direito neste debate.
Primeiro contextualizou: a liberdade de imprensa é um continuar da liberdade de expressão, que é um continuar da liberdade de pensamento. Depois explicou: “A liberdade de pensamento é ilimitada… mas a partir do momento em que é exteriorizada, há limites! De onde podem vir? De outros direitos ou de valores constitucionais objetivos”. Considerou depois que a liberdade de expressão não está bem protegida em Portugal, vincando que, no plano cível, é como se não tivesse havido a Constituição de 1976. Designadamente os juízes têm grande dificuldade em perceber a “exceptio veritatis”, prevista no Código Penal. Salientou depois que a liberdade de imprensa é um direito limitado por outros tipos de direitos – o direito ao bom nome, o direito à vida privada, etc. “A nossa perceção é de que a jurisprudência se joga no sentido de valorizar mais o direito ao bom nome”.

No fim, retornando ao ponto de partida, Jorge Pereira da Silva concluiu: “A liberdade de expressão é o exigénio da democracia. Se ele diminuir, mais tarde ou mais cedo, ela sufoca”. Outro homem do Direito, Pedro Garcia Marques, penalista do Católica Research Centre for the Future of Law, colocou o acento tónico da sua intervenção na liberdade de expressão, que considerou “um escudo protetor quando o que queremos dizer não é consensual”, quando o que se quer dizer “choca, magoa, ofende”, quando se “criam sentimentos negativos”. Por outras palavras: a liberdade de expressão só surge como uma arma quando o emissor quer atingir o destinatário, independentemente de quem seja
aquele. “A sátira vale tanto como a afirmação de um especialista em determinada matéria ou como uma afirmação de rua no que respeita algo que afete a comunidade.” Quem se abstém de emitir opinião respeita a norma, com medo das consequências.

O jornalista João Miguel Tavares esboçou uma perspetiva libertária, mas de direita, conforme vincou, para elogiar bem alto os “valores ocidentais”. Lembrou que o Ocidente se bateu durante séculos pela conquista de direitos, como, por exemplo, o direito à blasfémia, conquistado à custa do sangue de milhares de pessoas. “Algo admirável!”, salientou. Inalienável, conclui-se.

Francisco Proença Garcia, militar, do Instituto de Estudos Políticos da UCP, confessou ter “muitas dúvidas”, desde logo sobre a forma de lidar com estas “colónias interiores”, algumas já na 4.ª geração, sobre o papel dos media, sobre o aproveitamento político e a componente sócio-económica… “Nada disto está estudado. Estudámos a ação em si, mas não as suas razões”, afirmou, adiantando ser fundamental sobretudo “estudar bem” o fenómeno do terrorismo, as suas motivações, bem como as formas possíveis de diálogo. Considerou que o trabalho de casa, para ser eficaz e consequente, não deverá ser feito no imediatismo quente da emoção, nem baixo a luz dos holofotes. O especialista considerou que o terrorismo veio para ficar e que as nossas sociedades têm que aprender a lidar com ele. Como?

Ouçamos Francisco Proença Garcia: “Para o minimizarmos e para o controlarmos, temos que o estudar. Temos que encontrar instrumentos sociais e políticos para lidar com ele.” Defendendo que não nos podemos subordinar à vontade do outro, apontou o caminho: “Temos de ter ações cirúrgicas com as minorias” e a “capacidade para integrar” os outros, que são a larguíssima maioria. Horas antes do debate na  Universidade Católica Portuguesa em Lisboa, a bordo do avião que o transportava de Colombo para Manila, o Papa Francisco afirmara aos jornalistas que a liberdade de expressão deve exercer-se sem ofender. “Não podemos provocar, não podemos insultar a fé dos outros, não podemos ridicularizá-la”.

Almerinda Romeira

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