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Contas oficiais de Moçambique já contemplam as dívidas escondidas

Moçambique entrou em ‘default’ devido à entrada das dívidas de 1,4 milhões de dólares nas contas públicas oficiais.
  • Mark Blinch/Reuters
15 Abril 2017, 17h33

António Costa afirmou, no final da semana passada, no parlamento, que colocar as dívidas de 1,4 milhões de dólares – que estão a ser alvo assíduo na imprensa económica internacional – nas contas do Estado de 2015 era a forma mais segura de garantir a fiscalização das mesmas, noticia a Lusa.

Em fevereiro de 2016, nas vésperas da reestruturação da dívida da Ematum, Empresa Moçambicana de Atum, os investidores e as agências de notação aperceberam-se das dificuldades financeiras do país em honrar os compromissos financeiros.

De acordo com a Lusa, o Governo apresentou uma proposta que substitui as obrigações da empresa por títulos de dívida soberana, prometendo taxas de juro anuais mais elevadas caso o prazo de pagamento do empréstimo de 2020 para 2023 seja alargado, argumentando de que isso daria tempo para que as receitas do gás chegassem aos cofres do Estado.

No entanto, surgiram diversas notícias financeiras negativas para Moçambique e o empréstimo contraído em 2013 pela Proindicus, no valor de 622 milhões de dólares, foi a primeira divulgação, pelo Wall Street Journal, em abril.

O financiamento foi retirado ao país, pelos credores internacionais e o Fundo Monetário Internacional, e o Governo assumiu a existência de outros dois empréstimos não divulgados, um deles realizado pela Mozambique Asset Management, em 2014, no valor de 535 milhões de dólares, bem como um terceiro empréstimo contraído pelo Ministério do Interior, no valor de 221 milhões de dólares.

No mesmo mês de abril, é sabido o prospeto confidencial preparado pelo Ministério das Finanças, que colocou a dívida total prevista para 2015 em 11,1 mil milhões, o que significa 1,6 milhões de dólares acima dos números oficiais até então.

O número coloca o rácio da dívida pública face ao PIB perto dos 100%, e muito acima do limite que o FMI admite para emprestar dinheiro a Estados sobreendividados, relata a agência Lusa.

O Governo começa a ser alvo de críticas fortes, devido ao facto dos empréstimos terem sido feitos à revelia dos doadores internacionais, mas também da Assembleia da República, tornando-os ilegais.

No final do primeiro semestre, Moçambique defrontou-se com uma crise de divisas e um aumento dos preços generalizado, devido à falta de ajuda financeira externa e das contas públicas afetadas pela conjuntura internacional, nomeadamente os preços baixos das matérias-primas, o abrandamento da economia chinesa e o adiamento das decisões de investimento pelas petrolíferas.

Antes das negociações sobre ajuda financeira retomarem, o FMI exigiu uma auditoria internacional à dívida e, em outubro de 2016, o Governo decidiu alterar a estratégia: durante um encontro com investidores em Londres, assumiu não ter dinheiro para pagar dívidas internacionais e exigiu uma reestruturação das condições de pagamento.

Os credores tiveram uma má reação, criando um braço de ferro, que já dura há seis meses, e que só deverá terminar quando a auditoria, encomendada à consultora Kroll, for divulgada. No entanto, é possível que isto só aconteça no verão, uma vez que a Procuradoria-Geral da República está também a conduzir a sua investigação, que de acordo com as notícias divulgadas, incide ainda sobre o atual Presidente da República, que era ministro da Defesa quando as empresas públicas realizaram os empréstimos escondidos, de acordo com a Lusa.

O falhanço do pagamento da primeira prestação dos eurobonds, emitidos por troca das obrigações da Ematum um ano antes, levou o país moçambicano a entrar em default e as agências de notação desceram a avaliação do crédito soberano, impossibilitando o país de aceder aos mercados financeiros, não apenas pelas altas taxas de juro exigidas, mas também pelo histórico de não pagamento.

Contudo existe uma outra questão alvo do debate a nível internacional: como foi possível duas empresas públicas receberem mais de mil milhões de dólares de investidores internacionais sem que o negócio tenha sido noticiado, e sem que os investidores se acautelassem face às condições financeiras dessas empresas?

Segundo a Lusa, diversas ONG, bem como alguns movimentos políticos, defendem que Moçambique não deve liquidar a dívida, porque é ilegal, e as autoridades financeiras dos Estados Unidos, Reino Unido e Suíça investigam também a atuação dos bancos intermediários – o Credit Suisse e o russo VTB – nestas operações.

O Governo, no entanto, assume que quer pagar a dívida, só que em melhores condições.

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