1. A COP26 movimentou muita gente, as mais diversas instituições, entidades governativas e sobretudo muitos interesses contraditórios e escondidos. Na COP26 cerca de 40 mil pessoas de 197 países terão estado presentes. Apesar da situação da Covid-19 foi uma das mais movimentadas. Que bom, para o turismo de Glasgow!

Muitas são as incongruências e a falta de substância que afectam estas Cimeiras do Clima porque não são orientadas para o fundo dos problemas, ao encontro de soluções e de formas realistas de as concretizar. Por vezes, nem uma abordagem pela rama de questões importantes se faz, o que já não seria de todo um desperdício. A questão ficava gravada e o mundo a reflectir.

A energia nuclear é um exemplo e uma grande hipocrisia. Ninguém fala. Receia-se uma realidade incómoda que está em crescendo. Mas, países importantes como EUA, China, França e outros, retomaram o investimento e a cooperação entre si.

2. Algumas dúvidas me assistem e registo-as.

  • Será que não se está num “teatro enganador” a pretender entrelaçar actividades/interesses?
  • Estas Cimeiras, e talvez muitas outras, tentarão ir além de um palco de vaidades?
  • Não partem e assentam em bases pouco realistas?
  • Não será que funcionam mais como uma plataforma de “cartelização” de interesses a nível mundial do que propriamente para os fins nobres que dizem defender?

Situação ambiental em risco

3. A situação ambiental está perigosa e, em diversas zonas do Mundo, o risco é mesmo grande a curto prazo.

Certamente que para essas zonas pouco há a fazer. Talvez mesmo o programa mais adequado deva consistir em como agir para deslocar as pessoas que aí vivem. Sim, porque limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius, meta do acordo de Paris, já parece não passar, pelos caminhos que estão a ser trilhados, de um sonho.

Registo, a propósito, “o grito” da primeira-ministra de Barbados que, na abertura da Cimeira, dizia que o aumento da temperatura para 2° C equivalia a “uma sentença de morte para o seu país”.

4. A COP26 encerrou com um acordo “aligeirado”, face ao previsto, com formulações de última hora do uso do carvão como fonte energética, por proposta da Índia, que confrontou a legitimidade da eliminação do carvão ao afirmar que foi precisamente com o carvão que os países mais ricos, contribuindo para a situação climática presente, se tornaram ricos, e agora, quando os países em luta pela erradicação da pobreza precisam, não recebem em contrapartida os financiamentos acordados que lhes permitam desenvolvimento e criação de riqueza?!

Conseguiu manter na declaração final uma referência aos combustíveis fósseis prevendo “o fim dos subsídios ineficientes”, expressão que é uma espécie de saco onde cabe tudo. E será que os países mais ricos não continuam a dar subsídios “ineficientes” aos combustíveis fósseis?! Quem avalia “a eficiência”?

Os combustíveis fósseis

5. As economias continuam ainda indissoluvelmente dependentes dos combustíveis fósseis. Todo o desenvolvimento do século XX assentou na exploração e uso destes combustíveis sequencialmente passando por carvão, petróleo, gás, controlados por grandes grupos multinacionais. É a história. Estes grandes grupos também já estão no caminho das energias renováveis. Vejamos o caso da Galp que não é um grande grupo mas tem as suas ambições. É a dinâmica natural.

Estas transições entre fontes energéticas trazem sempre problemas. Polémicas, diferenças na opção de investimentos, acabando no final por os grupos se entenderem, nem sempre com ganhos para a comunidade. Mas aí os governos dos países é que claudicam fazendo cedências, não marcando barreiras.

Resolver esta situação não é fácil. A estratégia ocidental para a transição energética, em especial a europeia, assenta em pés de barro. Basta olharmos para o comportamento recente dos países e nomeadamente da União Europeia (UE) com a subida dos preços energéticos nos últimos tempos. Foi o desnorte.

A Comissão Europeia ainda teve o vislumbre de compras em conjunto, mas depressa desistiu, tamanha a barafunda, ficando cada país com o menino nos braços. Foram “bater” à porta da Rússia para aumentar a produção de gás e dos produtores de petróleo a solicitar o mesmo.

Uma situação dramática para o Ocidente que vai ter de ceder muito para obter alguma cooperação. Todos estes países produtores vão aproveitar a oportunidade para aumentar as suas rendas, tanto mais que os relacionamentos políticos não são mesmo nada favoráveis, dificultando as negociações de entendimento.

Mas levanta-se um problema: como se encaixa esta solicitação na transição energética de cada vez menos uso dos combustíveis fósseis? Envia-se para casa dos outros aquilo que, numa linguagem simples, poder-se-á chamar de entulho, de nocivo, de tóxico, para deixar o nosso terreiro limpinho?

Esta situação delicada vem fragilizar ainda mais a estratégia das metas a atingir com a transição energética. Daí que metas, como a redução drástica do consumo dos combustíveis fósseis até 2050, possam não ir além de uma miragem.

A energia nuclear – outra questão

6. A energia nuclear é aquele tema escaldante. Ninguém o quer abordar quando à vista de todos está a incrementar-se, e com mais ênfase após o início da subida de preços da electricidade ou da energia em geral.

Há, pelo menos um país, a França, com tradição nesta energia a apostar decididamente nela, tanto assim que Macron vai fazer da energia nuclear uma linha de força da sua campanha à Presidência da República de 2022.

Macron e o seu governo, com destaque para o ministro da Economia e Finanças, Bruno Le Maire, são assumidamente defensores da energia nuclear e este até já lançou o debate nos “Fora” dos ministros da Economia da UE, apresentando-a e defendendo-a como “energia verde” e a mais capaz de responder ao aquecimento global, o que a Comissão Europeia questiona e a Alemanha rejeita.

Um tema ainda mais quente aquando da próxima presidência da União pela França, em janeiro de 2022. Mas não é apenas a França que, ao nível da UE, está empenhada nesta fonte energética. São já muitos os países. Por exemplo, fora da União, temos as grandes economias como os EUA e a China empenhadas no nuclear com projectos de investimento em andamento, embora em diferentes fases, e até um projecto conjunto de investigação, o ITER, sediado no sul de França.

O ITER é o resultado de uma colaboração entre a UE, EUA, China, Índia, Japão e Coreia do Sul. Os custos de produção partilhados atingem 20 mil milhões de euros. O objectivo é o plasma” superaquecido necessário à produção de energia que os especialistas entendem que poderá vir a ser “uma fonte de energia limpa e ilimitada”, adequada, por conseguinte, para “combater a crise climática”.

Concluindo, perante estes factos é de questionar se não estão estes países todos comprometidos com o nuclear. E, se assim é, qual a razão do tema não ser abordado nas Cimeiras?

Pouca credibilidade me oferece toda esta movimentação. Com muita pena enquadro-os a todos, menos os jovens, onde ainda reina a utopia! Acho, no entanto, que as COP continuem, pelo menos, para ajudar a desmistificar o grande jogo que ensombra todo este “reino”.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.