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Costa Silva propõe centro de competências dependente do PM para acelerar decisões

Consultor que o primeiro-ministro convidou para desenhar plano estratégico disse esta segunda-feira que o país tem que simplificar os procedimentos administrativos e aumentar a transparência e a prestação de contas para permitir o escrutínio público. Uma coisa não funciona sem a outra. 
  • Cristina Bernardo
2 Novembro 2020, 17h55

“Para aproveitarmos os fundos europeus temos que mudar o sistema que existe”, afirmou António Costa Silva, o engenheiro-gestor que António Costa convidou para desenhar o plano estratégico para o país. “Somos capazes de executar cerca de 2.500 a 3000 milhões de euros, por ano, no máximo, nós vamos receber mais do dobro – se mantivermos o mesmo sistema, a mesma mentalidade, os mesmos protagonistas, muito provavelmente não vamos conseguir”.

Adiantou: “temos de ter um centro de competências na dependência direta do primeiro-ministro que acelere as decisões, que seja um interlocutor com as empresas. Temos que acabar com esta história do Estado interagir com as empresas  através de oito, dez organismos. Porque não há um balcão único…?”. Mas não basta isso, acrescentou –  “Temos que simplificar os procedimentos administrativos e combinar isso com a transparência e a prestação de contas para permitirmos o escrutínio público. O país tem um problema de corrupção, que é sabido, tem problemas de má aplicação dos fundos, desde logo, os investimentos que o Estado faz não são baseados numa análise custo-benefício…”

Portugal tem a gora a oportunidade de mudar, mas para mudar tem , segundo António Costa Silva, de mudar a própria mentalidade. “Este, para mim, é que é o problema. O obstáculo maior é o nosso paradigma cultural”.

António Costa Silva falava na conferência “ReImaginar Portugal”, promovida pelo Alumni Club do The Lisbon MBA Católica | Nova, presidido por Cristina Campus, diretora-geral da Novartis Portugal e responsável pelo Grupo Novartis em Portugal. A gestora apresentou o contributo da rede de 3.000 antigos alunos do MBA da Nova, da Católica e do The Lisbon MBA, consórcio que na atualidade junta as duas escolas de negócios num programa conjunto, para pensar Portugal, salientando que “a máquina, a burocracia”, em suma, o  Estado “não permitem sermos mais competitivos e inovar de forma mais célere”. Solução?

“Precisamos digitalizar e simplificar”, afirmou, acrescentando que “há talento  e criatividade em todos os setores”. Entre o muito que se tem que fazer está a requalificação profissional se o caminho for no sentido da industrialização. Segundo os ‘alummi’ do The Lisbon MBA, saúde e educação destacam-se como pilares do futuro, na medida em que são a base para que “todos os outros setores possam florescer”. Também a transição digital tem um papel fundamental a desempenhar na transformação do país, não só nos modelos de negócio, mas também na máquina do Estado e de quem decide e regula. Outro pilar é a sustentabilidade na dupla vertente: financeira e do Planeta.

Carlos Moedas, administrador da Fundação Gulbenkian, antigo comissário europeu da Inovação, defendeu que o 5 G europeu e a inteligência artificial são duas oportunidades para a Europa e para Portugal. “O paradigma já mudou” e a direção que Portugal deverá tomar é no sentido daquilo que definiu como “país da diversificação das plataformas de manufatura”. Ou seja, tornar-se  um ponto focal na Europa. À partida, dispõe de vantagens competitivas para o atingir, como o talento, nomeadamente a qualidade dos engenheiros.

O ex-comissário europeu salientou, mais do que uma vez, que o salto da produtividade não vem da tecnologia. Vem dos processos. “É preciso ver além da tecnologia e para isso é preciso perceber os processos”. Exemplificou: “se queremos dar passos na educação e na saúde, vamos ter que repensar profundamente …. passar do físico para o digital não é filmar as aulas”.

Daniel Traça, dean da Nova SBE,  defendeu que é necessário separar o debate do dinheiro que vai entrar em Portugal no âmbito da chamada “bazuca” europeia e que terá obrigatoriamente de ser  gasto nos próximos dois anos, das mudanças estruturais, fundamentais para que haja um futuro digno da palavra. “Tem que haver uma estratégia para usar esse dinheiro e uma estratégia para mudar Portugal. Achar que mudamos as coisas para que o dinheiro seja bem gasto, não vai dar, porque não há tempo”.

O professor citou um estudo/retrato da cultura portuguesa feito por um sociólogo holandês: Portugal é num grupo de 35 países aquele que tem maior aversão ao risco e o segundo ou terceiro com pior capacidade de prever a longo prazo, juntamente com a Irlanda. “O Estado é o maior vazio do debate em Portugal. Fala-se em desburocratizar. Não basta desburocratizar. Portugal precisa de um estado que funcione. As empresas privadas não trabalham suficientemente em conjunto, não são capazes de fazer projetos de longo prazo em conjunto (…)”, afirmou. O Estado, acrescentou Daniel Traça, tem de repensar-se, profissionalizar-se e acabar com os problemas de curto prazo ligados ao ciclo político. “Os irlandeses resolveram o problema criando uma série de instituições com estruturas de governança mais independentes do ciclo eleitoral … é só ver como fizeram”, salientou.

Daniel Traça admite que vai haver muito desperdício nos fundos, mas, neste momento, há que fazer o que pode ser feito: o país tem de focar-se nas coisas mais importantes que vão ser financiadas.

Filipe Santos, dean da Católica-Lisbon, considerou que a responsabilidade de pensar o futuro deve estar centrada numa instituição mandatada para tal e que ao Estado cabem as orientações gerais. “Temos que mobilizar os diferentes setores, os municípios, a nível do setor público e a nível empresarial as associações, que não podem ser lobbies do seus interesses. Têm que ser um espaço de partilha e de desenvolvimento estratégico para o próprio setor perceber onde se deve posicionar”.

Somos um país periférico, sem escala – afirmou Filipe Santos – se vamos sustentar a nossa economia numa reindustrialização física à volta das matérias primas teremos sempre uma desvantagem competitiva em relação a alguns países. “A vantagem competitiva está na economia do conhecimento”, salientou, adiantando que Portugal tem trunfos para se posicionar na corrida: investigação, elite em termos de tecnologia, uma infraestrutura tecnológica de telecomunicações muito boa a nível europeu.

“Claramente vamos ter que entrar em áreas de maior valor acrescentado, ligadas à economia do conhecimento”, adiantou, que até pode ter a ver com produtos físicos, mas desde que com maior valor. Há duas áreas chave a desenvolver para atingir esse patamar: educação e transformação digital. Também envolve investimentos, mas que, se calhar não são aqueles que aparecem nos cartazes. Esses são fáceis, porque são físicos e são caros, mas não são esses os que mais interessam, concluiu.

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