Face ao aumento do número de infetados na região de Lisboa e Vale do Tejo, o Governo decidiu, na passada semana, dividir o país em três, com 19 freguesias da área metropolitana de Lisboa a ficarem em estado de calamidade, incluindo o “dever cívico de recolhimento domiciliário”.

Os especialistas dividem-se quanto às causas destes maus resultados na região de Lisboa, enquanto os profissionais de saúde já exigiram maior coordenação no combate à pandemia na capital. Mas talvez não fosse má ideia prestar atenção ao aviso do ex-ministro do Trabalho, Paulo Pedroso: “Quando o vírus desceu na escala social, a abordagem começou a mudar também no plano comunicacional face à doença. A compaixão pelos atingidos está a ser substituída pela sua culpabilização.”

Contudo, quem não procurou respostas simplistas, como os jovens e as festas, viu a emergência de problemas estruturais associados ao aumento dos casos de Covid-19: pobreza, precariedade e falta de transportes públicos. Isto anda tudo ligado.

Falemos então do problema dos transportes públicos, sendo que há três coisas que sabemos.

1) A falta de transportes públicos foi uma escolha

Têm-se multiplicado os vídeos nas redes sociais de comboios e metros apinhados de pessoas que não têm como cumprir o distanciamento social. A regra do máximo de dois terços da capacidade simplesmente não está a ser cumprida e estas são as pessoas que se mantiveram a trabalhar durante todo o período da pandemia, muitas das quais vivem nas 19 freguesias mais afetadas.

No entanto, só na semana passada é que a respetiva autoridade decidiu reforçar para 90% a oferta de transportes que até aqui tinha funcionado a 50% da capacidade normal. A opção foi deixar que as pessoas viajassem em autocarros à pinha. No caso dos comboios ou do metro é ainda pior, pois não vai haver reforço. Razão pela qual o Bloco de Esquerda chamou o Governo ao Parlamento já esta quarta-feira para esclarecer esta matéria.

2) O automóvel individual não é solução

Os cientistas já estabeleceram uma relação direta entre a poluição do ar e a Covid-19. Os dados indicam que as pessoas que vivem em zonas com mais poluição atmosférica têm mais probabilidade de apanhar e de falecer da doença.

Assim, quem achar que a solução para fugir à pandemia é a aposta no carro está totalmente enganado. Essa via só aumentaria a poluição do ar, deixando-nos mais vulneráveis a esta doença e a todas as doenças respiratórias associadas à má qualidade do ar. Importa lembrar que a 2ª Circular junto a Telheiras, o Parque das Nações, o Cais do Sodré e a Av. da Liberdade tinham níveis de poluição do ar muito superiores ao permitido pela legislação.

3) Há soluções, mas são fora da caixa

Há uma primeira solução para o problema: investir nos transportes públicos. Convém não esquecer que, durante a troika, as empresas de transporte público foram financeiramente asfixiadas para serem vendidas e que ainda se debatem com falta de recursos. Mesmo depois da redução do preço dos passes, os níveis de financiamento público dos transportes oscilam entre os 25% e os 30%, quando em cidades como Madrid, Paris, ou Barcelona estão nos 45%-60%. Não há solução sem investimento público.

O que também tem sido feito por toda a Europa é a aposta em ciclovias. No Reino Unido há mais de 40 autarquias que têm apostado em ciclovias pop-up, que permitem a quem não andava de bicicleta passe a ter uma alternativa segura e confortável aos transportes públicos.

Em Lisboa, a Câmara Municipal fez o mesmo, tendo anunciado mais de 95 quilómetros de ciclovias pop-up até 2021 e um programa de apoio à compra de bicicletas no valor de 3 milhões de euros. É uma medida sensata, que contribui para a redução da poluição, reduz a pressão sobre os transportes públicos e melhora a mobilidade na cidade.

Em vez de culparmos as pessoas que têm de ir trabalhar é melhor observarmos os factos sociais que as expõem aos riscos da pandemia. Talvez assim encontremos melhores respostas e menos ódio social.