A crise económica gerada pela Covid-19 é já encarada como a mais grave desde a Grande Depressão da década de 1930, prevendo-se quebras inéditas para a produção e o emprego e sendo difícil perspetivar um desfecho, pela incerteza associada à evolução da pandemia e aos efeitos das políticas que vierem a ser adotadas. Para a economia portuguesa, antecipa-se uma quebra superior à dos parceiros da União Europeia, antevendo-se uma recuperação mais difícil e longa.

O seu lado visível é o encerramento de empresas, destruição de postos de trabalho, aumento da precariedade, incumprimento bancário, insegurança, entre outros. Um lado progressivamente mais evidente, é o efeito que as crises, e esta em particular, produzem sobre a distribuição do rendimento e da riqueza, nomeadamente nas economias ditas desenvolvidas. Ao contrário da ideia defendida por Kuznets de que a desigualdade tenderia a diminuir em estágios de desenvolvimento mais avançado, autores recentes, como Piketty, têm tornado evidente que o desenvolvimento do sistema económico acentua as divergências na distribuição do rendimento e da riqueza.

A corroborá-lo, os últimos dados colocavam a economia portuguesa como uma das mais desiguais de entre os países da União Europeia, antes do desencadear da pandemia. A desigualdade na distribuição do rendimento explica o baixo rendimento mediano das famílias portuguesas (cerca de 930 euros por mês em 2017) e tem-se repercutido no fraco dinamismo da procura interna em Portugal. É ainda visível na estagnação dos salários médios, especialmente sentida na última década, que gera dinâmicas comprometedoras da recuperação da economia.

A desigualdade tem resultado em problemas que requerem solução urgente.

Em primeiro lugar, aumenta a percentagem da população que se encontra em risco de pobreza ou exclusão social.

Segundo, tem promovido a migração de população jovem à procura de melhores remunerações no espaço Schengen, hipotecando o nível futuro de qualificações e a capacidade de inovação e renovação. Na última crise, foi evidente a fuga de cérebros ligados ao sector da Saúde, hoje tão decisivos na resolução da pandemia.

Como agravante, este êxodo desequilibra o sistema de segurança social já de si frágil, ao diminuir a percentagem de população jovem e de rendimento relativamente mais elevado no ativo, enquanto perpetua desequilíbrios demográficos pela redução da população em idade fértil.

Em terceiro lugar, tem fomentado a clivagem entre gerações, onde os mais velhos se tornam o bode expiatório da inexistência de emprego jovem, questionando-se os seus “direitos adquiridos”. Paradoxalmente, os primeiros vão sendo antecipadamente substituídos por recém-licenciados que auferem salários próximos do salário mínimo, num processo de barateamento dos custos produtivos através de substituição de mão de obra qualificada.

Por último, contribui para a emergência de tensão social e de correntes políticas de cariz populista que exploram as manifestações anteriores.

Urge inverter o processo de desigualdade que se acentuou na sociedade portuguesa com a crise financeira anterior e que dificulta a sua atual capacidade de retoma, representando esta crise o momento certo para fazê-lo.

As crises são situações de rutura, que forçam as economias à sua reinvenção, e onde a mudança forçada pode representar uma oportunidade para corrigir problemas estruturais. Neste sentido, a retoma económica deverá responder a um duplo desafio. Por um lado, recuperar um processo de crescimento sustentado que permita repor o emprego e a produção aos níveis anteriores e a convergência com o nível médio de rendimento dos parceiros da União Europeia. Por outro lado, e sobretudo, promover uma distribuição mais igualitária de rendimentos entre as famílias portuguesas, invertendo as tendências de concentração de riqueza que se têm vindo a acentuar na última década, gerando instabilidade.

As escolhas relativas à recuperação da economia, deverão ter como prioridade restituir a perspetiva de progressão do rendimento das famílias, e a subida na escada social, gerando um sistema adequado de remuneração do trabalho e favorecendo a coesão social. Só assim será possível gerar dinamismo económico e social, reter jovens trabalhadores qualificados no país, promover o equilíbrio entre gerações, estimular a procura interna, e incentivar a inovação.