O anterior ministro da Defesa Nacional e atual ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, foi ouvido na Assembleia da República, numa audição conjunta em que também participou o atual secretário de Estado da Defesa Nacional, Marco Capitão Ferreira. Em discussão esteve o alegado esquema de corrupção que envolveu, entre outras, as obras de reabilitação do antigo Hospital Militar de Belém, que representaram custos foi muito superiores ao previsto inicialmente.
Ao microfone, o ministro disse que se arrepende de ter nomeado Alberto Coelho para a Administração da empresa pública ETI (Empordef – Tecnologias de Informação) e que teria procedido de forma diferente se tivesse as informações que tem atualmente.
O deputado Francisco César, do Partido Socialista (PS), reforçou a importância de perceber os motivos pelos quais a obra custou 3,2 milhões de euros, “bastante mais” do que estava previsto, além de dizer que Alberto Coelho, “na prática”, foi despromovido, quando ao invés de ser reconduzido como diretor-geral, se viu nomeado por João Gomes Cravinho para uma empresa pública, em 2021.
O outro deputado presente na audição em nome do PS, Diogo Leão, acusou o PSD de “hipocrisia e extrema contradição” por levantar questões sobre Alberto Coelho, depois de o mesmo ter recebido um louvor em 2015 e de ter sido eleito autarca em Lisboa pelos sociais-democratas, em 2021.
Jorge Paulo Oliveira, deputado do Partido Social-Democrata (PSD) reiterou que o ministro é “politicamente responsável por todas as obras que ocorreram no ex-Hospital Militar de Belém e por todas as despesas acrescidas” neste âmbito. Sobre as acusações de hipocrisia, Oliveira reagiu de forma assertiva. “Só falta dizer que a culpa é nossa”, atirou, lembrando que os factos reportados remontam a 2020 e 2021, quando Gomes Cravinho tinha a seu cargo a pasta da Defesa Nacional. “Não lhe fica bem”, reiterou.
O mesmo deputado acusou Gomes Cravinho de ter omitido a existência de uma auditoria interna da Defesa Nacional quando interrogado pelo parlamento. Uma decisão que o social-democrata aponta como errada, já que considera que da mesma auditoria consta um grande número de “ilegalidades” que mereciam ser mencionadas. Perante a situação em causa, Gomes Cravinho diz ter pensado, à data, que Alberto Coelho estaria a agir de “boa fé”. Algo que acabaria por não se confirmar, de acordo com o próprio.
O deputado André Ventura, por seu turno, começou por dizer que “ninguém acredita” nas justificações dadas pelo agora ministro dos Negócios Estrangeiros. O líder do Chega quis saber se Gomes Cravinho “perguntou porque é que [o custo] das obras estava a derrapar”, assim como “o que fez para ter dito que foi prudente e proativo”. O membro do Governo recordou que estão ainda por validar determinados valores e referiu que a 27 de março de 2020 tomou conhecimento de que os custos seriam superiores ao previsto.
“Não é inteiramente surpreendente, atendendo às circunstâncias que se viviam”, sublinhou, referindo-se à pandemia. “É dentro de uma ordem de grandeza que também não surpreende”, já que “tinha sido identificado com grande rapidez a necessidade da obra e um preço, 750 mil [euros], portanto não me estranha que possa ser um pouco mais”.
André Ventura destacou que “na perspetiva do Chega isto mostra uma clara falta de diligência da sua parte”, dirigindo-se a Gomes Cravinho, e reforçou que o ministro “é o grande responsável político por isto ter ocorrido desta forma como não lidou com a situação, achando-a normal”.
“Os portugueses gostavam de todos de ser despromovidos [desta forma]” e assim passar a receber um “salário milionário”, referiu André Ventura, sendo acusado de “demagogia” por parte do ministro dos Negócios Estrangeiros.
Rui Rocha, recentemente eleito para a liderança da Iniciativa Liberal (IL) explicou, através de uma alegoria, que aquilo que o ministro relata, sobre a decisão de aceitar a subida do custo das obras “é uma fábula, é algo em que ninguém acredita”. Porém, de acordo com Gomes Cravinho, o deputado não levou em consideração as “realidades da administração pública”, como são os mecanismos de aprovação e procedimentos.
Questionado sobre se manteria as decisões se naquela altura soubesse o que sabe hoje, o ministro deixou claro que, “fazendo esse exercício anacrónico, não teria sido Alberto Coelho o responsável” pelas obras .
As “dúvidas” de Gomes Cravinho deveriam ter sido, de acordo com o deputado, suficientes para tomar uma decisão com maior cautela. “Nós não podemos nomear pessoas para funções em empresas públicas apenas porque não têm nenhum ilícito criminal”, ou porque a Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CReSAP) não se mostra contra tal decisão, que foi “no mínimo leviana”, de acordo com Rui Rocha.
O deputado João Dias, do PCP, questionou o que vai ser feito de futuro com o antigo hospital e até que ponto poderão tornar mais competentes os serviços do Serviço Nacional de Saúde (SNS) ou se, pelo contrário, vai ser “objeto de algum negócio ao serviço da mercantilização da saúde”. De resto, o deputado pediu “transparência relativamente ao futuro e ao destino dos gastos” e da derrapagem que se verificou.
Foi o secretário de Estado da Defesa Nacional, Marco Capitão Ferreira, que deu resposta sobre esta temática , referindo que estão a decorrer os procedimentos para transferir o edifício para o Estado Maior General das Forças Armadas. Adicionalmente, está a decorrer um estudo para aferir a “eventual utilidade funcional no âmbito do serviço de saúde militar”.
Em representação do Bloco de Esquerda (BE), a deputada Mariana Mortágua referiu que os sinais que existiam deviam ter sido suficientes para Gomes Cravinho pelo menos “desconfiar da boa fé” de Alberto Coelho, o que levaria o ministro a não optar, mais tarde, pela nomeação de Alberto Coelho para a empresa pública. A deputada referia-se, por exemplo à matéria suficiente para procurar “aprofundar as diligências tomadas por Alberto Coelho em relação a esta obra”, com os várias questões nomeadamente os “problemas de duvidosa legalidade”, referidos na auditoria que havia sido feita.
“Há uma linha muito ténue entre a ingenuidade e a negligencia”, lembrou Mariana Mortágua.