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Criação da Entidade para a Transparência debatida hoje no Parlamento

Projeto de lei do PS que visa criar a Entidade para a Transparência no Exercício de Cargos Públicos será debatido hoje em reunião plenária na Assembleia da República. Presidente do Tribunal Constitucional alerta para eventual inconstitucionalidade.
4 Julho 2019, 07h44

Várias iniciativas legislativas enquadradas no denominado “pacote da transparência” serão hoje debatidas em reunião plenária na Assembleia da República, com destaque para o projeto de lei do PS que visa criar a Entidade para a Transparência no Exercício de Cargos Públicos (ETEFP). Na terça-feira, dia 2 de julho, o presidente do Tribunal Constitucional (TC), Manuel Costa Andrade, criticou essa iniciativa e alertou para a eventual inconstitucionalidade do diploma.

“A Entidade para a Transparência no Exercício de Funções Públicas (…) é um órgão independente que funciona junto do Tribunal Constitucional e que tem como missão a apreciação e fiscalização das declarações de rendimento, património e interesses dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, bem como a gestão da plataforma eletrónica necessária a sua entrega e publicitação”, determina-se no projeto de lei.

A proposta do PS atribui as seguintes competências à ETEFP:

a) “Proceder à análise e fiscalização da declaração única de rendimentos, património e interesses dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos;

b) Apreciar da regularidade formal das declarações e da observância do prazo de entrega;

c) Solicitar a clarificação do conteúdo das declarações aos declarantes no caso de dúvidas sugeridas pelo texto;

d) Organizar e publicitar, nos termos da lei, as declarações únicas de rendimentos, património e interesses dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos;

e) Comunicar às entidades que nos termos dos respetivos estatutos sejam responsáveis pela aplicação de sanções aos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, as infrações que considerem relevantes para efeitos da aplicação de sanções prevista na lei e que sejam detetadas a partir da análise das declarações de rendimentos, património e interesses, ouvidos os respetivos titulares, nos termos da lei;

f) Participar ao Ministério Público as suspeitas da prática de infrações criminais que resultem da análise das declarações de rendimentos, património e interesses, ouvidos os respetivos titulares;

g) Participar à Autoridade Tributária as suspeitas da prática de infrações fiscais que resultem da análise das declarações de rendimentos, património e interesses, ouvidos os respetivos titulares;

h) Facultar a consulta pública das declarações de interesses, de rendimento e de património dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, nos termos da lei;

i) Apreciar e decidir sobre os pedidos de oposição à divulgação de elementos das declarações únicas;

j) Exercer as demais funções que lhe sejam cometidas por lei”.

 

Não há espaço no Palácio Ratton

Na terça-feira, o presidente do TC, Costa Andrade, e o vice-presidente, João Coupers, foram ouvidos durante quase duas horas e meia na Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas sobre a nova entidade que, a ser aprovada, vai funcionar junto do TC, a exemplo do que já acontece com a Entidade das Contas e Financiamentos Públicos.

Um dos maiores problemas consiste na falta de espaço no Palácio Ratton, em Lisboa, para instalar a entidade – “Não é boa ou má vontade, é impossível”, nas palavras de Costa Andrade -, além de exigir meios financeiros que, segundo Costa Andrade, teriam que ser disponibilizados pelo Governo. PS, PSD e BE, favoráveis à criação da entidade, já disseram que admitiam que passe a funcionar fora de Lisboa, opção sobre a qual Costa Andrade não se pronunciou.

Além do problema da instalação, acresce que a análise de declarações de rendimentos e de incompatibilidades que os projetos de lei alargam, por exemplo, a magistrados e gestores públicos, “vai aumentar exponencialmente as tarefas a fazer” pelo TC, o que contribuirá para “uma descaracterização”. Pode passar-se das atuais 10 mil a 12 mil para mais de 20 mil declarações a term que ser analisadas pela entidade, segundo os cálculos do presidente do TC, antecipando que serão necessárias “dezenas de pessoas” para fazer essa análise.

E é aqui que entra o eventual risco de inconstitucionalidade do diploma, hipótese levantada na reunião pelo deputado do PCP, António Filipe, por serem atribuídas “competências estranhas” e que teve a concordância do presidente do TC. Constitucionalmente, o TC tem competências na fiscalização de leis, na área eleitoral, por exemplo, além de exercer as “demais funções que lhe sejam atribuídas pela Constituição e pela lei”.

Apesar de este último ponto ser mais aberto, tanto António Filipe como Costa Andrade argumentaram que essas competências têm de ter alguma relação com problemas de constitucionalidade ou de “juridificação do político”, ou de atos políticos, o que poderá não ser óbvio no caso da ETEFP, apelidada de “polícia dos políticos” pelo CDS-PP.

“Não sei se com isto não passamos um bocadinho para o lado de lá” da constitucionalidade, comentou Costa Andrade. Embora ressalvando que não estava na comissão para “emitir juízos”, Costa Andrade reconheceu que “o problema põe-se”.

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