A guerra ainda mal começou e a subida dos preços dos combustíveis já eliminou as últimas juras ambientalistas: transição verde e redução da dependência de energias fósseis. Como vem sendo hábito, as queixas nacionais recaíram sobre os impostos, levando o Governo a aumentar o Autovoucher para 20 euros.

A medida foi apresentada por dois ministros: o das Finanças e, pasme-se, o do Ambiente. Faz sentido que o bastião da ação climática surja a defender esta política? Não deveria proclamar o contrário? Não está em marcha um plano de recuperação económica que tem o ambiente como um dos seus pilares?

Já pude referir aqui que a subida do preço da energia é um bom pretexto para repensar a nossa relação com os transportes públicos. Isto sem falar no inevitável esgotamento dos combustíveis fósseis. A economia portuguesa, muito dependente destas matérias-primas, tem urgência em encontrar alternativas, mas os sucessivos governos não têm sido hábeis a consegui-lo. O tão lamentado desinvestimento nas linhas férreas é disso expressão.

E este mal grassa toda a Europa. O Investigate Europe vem revelando como as ligações ferroviárias europeias são uma manta de retalhos, repletas de bloqueios entre países. Os dirigentes europeus, capazes de harmonizar e regular as ligações aéreas, não conseguem demonstrar o mesmo empenho na defesa de uma forma de mobilidade sustentável. Será, como alguns sugerem, o efeito de um lóbi do petróleo ainda muito poderoso?

Um retrato desta desarticulação, que seria caricato se não fosse embaraçoso, aconteceu na chegada a Badajoz de refugiados ucranianos – uns ficaram apeados, enquanto outros seguiam para Portugal de pé e apertados numa automotora da CP sem capacidade para mais. Os portugueses sabem, por experiência, que a Espanha se vai de carro ou de avião. Na sua ânsia de salvar o planeta, a ativista Greta Thunberg precisou de dez horas para ir de Lisboa a Madrid de comboio.

A Agência Internacional de Energia (AIE) quis despertar os dirigentes mundiais, lembrando que a solução do problema energético passa pela redução da procura global (para 2,7 milhões de barris por dia), o que implica limitar as deslocações em carros e aviões. Para tal, a AIE propõe recorrer ao teletrabalho, reduzir os limites de velocidade, interditar o acesso de carros às cidades em dias de semana alternados e aos domingos, incentivar o uso de carros elétricos e partilhados.

Sugere ainda diminuir o custo dos transportes públicos e promover a mobilidade suave (sim, bicicletas), incentivar o uso de comboios de alta velocidade e reduzir o de aviões. A décima e última proposta é tornar mais ecológica a condução de camiões de carga. Estas medidas são duras e impopulares porque atingem as chamadas liberdades individuais, mas apontam para soluções credíveis. Haja coragem política.

Entretanto, os Governos de Portugal, Espanha, Itália e Grécia pediram “medidas concretas” do próximo Conselho Europeu, entenda-se um novo PRR para combater os efeitos económicos imediatos.

O aumento dos preços do petróleo e do gás vai doer e até gerar uma nova recessão mundial (veja-se a propósito os dados apresentados por James Hamilton), sendo os apoios europeus uma ajuda importante para combatê-la. Mas sem uma intervenção de fundo sobre a forma como encaramos o transporte privado e individual e o direito a utilizá-lo, corremos mais uma vez o risco de apagar um fogo para a seguir corrigir os estragos com materiais inflamáveis.