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Crise financeira e milhões escondidos: o que está em causa no julgamento dos altos quadros do Barclays

Começa esta terça-feira o julgamento do ex-CEO do Barclays, o inglês John Varley, e de mais três altos executivos do banco. É primeira vez na história que um CEO de um grande banco internacional é levado a tribunal por práticas cometidas durante a crise financeira.
  • Toby Melville/Reuters
9 Janeiro 2019, 07h30

É primeira vez na história que um CEO de um grande banco internacional é levado a tribunal por práticas cometidas durante a crise financeira, noticia o jornal britânico “Financial Times”.

Começa esta terça-feira, no tribunal de Southwark Crown, em Londres, o julgamento do ex-CEO do Barclays, o inglês John Varley, e de mais três altos executivos da instituição bancária, Roger Jenkins, que já foi um dos banqueiros mais bem pagos do Reino Unido, o norte-americano Tom Kalaris, e Richard Boath, que queria seguir marketing, mas acabou na banca depois de uma visita ao campus do Bank of America.

Em causa está uma operação de aumento de capital do banco, em 2008, subscrita por um investidor do Catar com financiamento do próprio banco, não declarado ao mercado.

Os quatro executivos do Barclays vão responder pelos crimes de fraude e de “assistência ilegal financeira” (tradução livre), que terão sido praticados por ocasião de aumentos de capital, financiados por investimento do Catar, em plena crise financeira, em 2008. O julgamento propriamente dito, com a intervenção dos réus e o depoimento de testemunhas, não começa antes do dia 21. Antes, seguem-se duas semanas de alegações de direito e, claro, a composição do júri, que integra 12 elementos.

Está previsto que o julgamento dure entre 12 a 16 semanas e, se os quatro executivos forem declarados culpados, poderão cumprir penas de prisão até dez anos.

Foi no dia 20 de junho de 2017, depois de cerca de seis anos de investigações que custaram vários milhões de libras ao contribuintes, que o Gabinete de Luta contra a Fraude do Reino Unido (em inglês, SFO – Serious Fraud Office), um departamento governamental não-ministerial com competência para investigar e deduzir acusações sobre casos complexos que se prendem com corrupção e fraude no Reino Unido, intentou a ação.

Crise financeira, Catar e milhões escondidos

Nos Estados Unidos, o Lehman Brothers foi a primeira vítima da crise financeira e acabou por ruir em 2008. Do outro lado do Atlântico, no Reino Unido, a banca também passava por momentos difíceis. O Lloyds, desde 2011 liderado pelo português António Horta-Osório, foi nacionalizado, para evitar o colapso. O mesmo aconteceu com o Royal Bank of Scotland, mas não com o Barclays. Na altura, em reuniões com o governo britânico, então liderado por Gordon Brown, os executivos do Barclays terão dito que não precisavam de um resgate suportado por dinheiro público.

Para fazer face às adversidades económicas, e para reforçar o balanço frágil do Barclays, Roger Jenkins, na altura o responsável máximo do departamento de investimento do banco e do departamento do investimento no Médio Oriente, negociou com investidores do Catar uma injeção de capital, que ocorreu em dois momentos, totalizando 11,8 mil milhões de libras (13,5 mil milhões de euros, à taxa de câmbio atual).

Em junho de 2008, o Barclays procedeu à venda de ações ordinárias junto de vários investidores, incluindo o Catar. Entraram para o capital do banco cerca 4,1 mil milhões de libras (4,57 mil milhões de euros). Mas os efeitos da crise adensaram-se e a necessidade de mais capital aprofundou-se. O banco tentou, em vão, emitir dívida. Por isso, o banco teve nova injeção de capital, desta vez na ordem dos 7,3 mil milhões de libras (8,13 mil milhões de euros), noticia o “Financial Times”. É este último aumento de capital que está no epicentro do processo.

Do montante do último aumento de capital, cerca de 2,7 mil milhões de euros têm selo ‘oficial’ do Catar. Foi o fundo de investimento do então primeiro-ministro catarense, Hamad bin Jabr al-Thani, que levou a cabo o financiamento.

O caso da SFO prende-se com um contrato de serviços de assessoria celebrado entre o Barclays e o Catar, quando se deu a primeira injeção de capital, em junho de 2008. O segundo aumento de capital, em outubro, estendeu o contrato. No total, o contrato obrigava o Barclays a pagar cerca de 320 milhões de libras (356 milhões de euros) ao Catar, em troca de o país ajudar a expandir os serviços do banco na região, explica o “Financial Times”.

O banco depois emprestou 3 mil milhões de dólares (2,62 mil milhões de euros) ao ministério das Finanças do Catar aquando da última injeção de capital no banco. Este ‘financiamento’ não foi comunicado ao mercado.

“A totalidade dos 2,4 mil milhões de libras prometidas ao Catar ‘equivalia’ ao montante que o pequeno Estado do Golfo Pérsico investiu inicialmente no Barclays, levantando questões sobre se o que se estava a passar consistia num incentivo ou num financiamento para reinvestir de volta no banco”, lê-se na publicação britânica (tradução livre).

 

SFO debaixo de ‘fogo’

A partir de hoje, os holofotes focam-se não apenas nos quatro réus, mas também sobre a SFO. Apesar da complexidade dos casos que resolve investigar que eventualmente culminam na dedução de uma acusação, este departamento governamental apenas se foca “em poucos, mas grandes casos de crimes económicos”, lê-se na página oficial da SFO.

Recentemente, a SFO ‘perdeu’ dois casos mediáticos. No primeiro, o Barclays também figurava como potencial réu, inserido no mesmo processo contra os quatro executivos do banco inglês. Mas o caso contra o Barclays ‘colapsou’ e seguiu apenas contra os antigos executivos do banco. Mais recentemente, em outubro passado, a SFO intentou uma ação contra dois antigos executivos da Tesco, um gigante do retalho inglês, devido a um ‘buraco’ contabilístico no valor de 250 milhões de libras. Este caso também ‘esbarrou’ nos tribunais.

Lisa Osofsky, ex-advogada do FBI e diretora da SFO desde agosto de 2018, quer começar o seu mandato com uma “vitória”, apesar de não poder ter um papel ativo neste caso porque prestava serviços de assessoria e compliance a bancos, lê-se na imprensa internacional.

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