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Cristina Vaz de Almeida: “Parece-nos urgente atuar sobre a desinformação que persiste nas áreas da saúde”

A presidente da recém criada Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde, diz, nesta entrevista ao JE, que a falsa informação e a desinformação proliferam e o grande desafio é conseguir tornar o cidadão mais atento, informado e esclarecido, propósitos que perseguem.
20 Junho 2022, 06h50

A Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde, foi criada no início deste ano por médicos, enfermeiros, médicos dentistas, terapeutas, higienistas orais, professores, investigadores, especialistas em comunicação em saúde para agregar conhecimento e boas práticas em literacia em saúde, e dar visibilidade a todos os interessados neste domínio, em Portugal, e nos países de língua portuguesa. Cristina Vaz de Almeida é a presidente e nesta entrevista ao Jornal Económico faz questão de vincar o papel de Rui Nogueira, presidente da Mesa da Assembleia Geral, Susana Ramos, e Patrícia Martins, vice-presidentes, Berta Augusto, vice-presidente da Mesa da AG e Sérgio Abrunheiro, secretário da Mesa da AG.

 

Quando e qual o contexto em que nasce a Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde?

Fruto de um investimento de trabalho de campo e de investigação de mais de uma década, a SPLS – Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde, é uma sociedade científica, sem fins lucrativos, constituída em 19 de janeiro 2022, por especialistas de reconhecido mérito na literacia em saúde em Portugal, para melhorar o nível de literacia em saúde e os resultados em saúde dos portugueses e posicionar nacional e internacionalmente Portugal nos melhores lugares de investimento intelectual e prático na literacia em saúde.

Quem integra projeto? Quem são os fundadores?

Entre os fundadores estão médicos, enfermeiros, médicos dentistas, terapeutas, higienistas orais, professores, investigadores, especialistas em comunicação em saúde. Estes especialistas em literacia em saúde reuniram-se no mesmo objetivo: agregar conhecimento e boas práticas em literacia em saúde, e dar visibilidade a todos os interessados neste domínio, em Portugal, e nos países de língua portuguesa. A integração da Literacia em saúde no programa Nacional de saúde faz-se desde 2016 e temos feito bastante pela literacia em saúde em Portugal. Acreditamos que, agindo como um “corpo” podemos ter mais capacidade, diversidade e formas de intervenção.

Como se consegue um tal grau de diversidade?

Conseguimos um enorme grau de diversidade de profissionais das várias áreas da saúde e do social, pois somos todos comprometidos em reforçar a credibilidade, a experiência, as competências e o campo ético que a literacia em saúde já tem em Portugal.

Quais são os objetivos que querem atingir com a Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde?

Temos objetivos bem claros plasmados na nossa missão e competências. Acreditamos que iremos reforçar, construir e dar visibilidade a boas práticas e a soluções ainda mais robustas, para um melhor acesso, compreensão e uso dos recursos em saúde por parte do cidadão e maior capacitação dos profissionais e das organizações das áreas da saúde e outras.

E já fizemos algum caminho, pese embora tenham passado apenas cerca de três meses depois da nossa constituição. Esta ação tão notória deve-se à experiência que trazíamos e trazemos das nossas profissões, intervenções constantes e capacidade de estramos atentos ao que é preciso fazer para melhorar os resultados de saúde, especificamente no domínio da literacia em saúde e que tem a ver com o desenvolvimento de competências do cidadão para conseguir tomar decisões mais acertadas e responsáveis em saúde. Por isso, o cidadão precisa de saber navegar corretamente no sistema de saúde, precisa de aceder facilmente aos serviços e estas questões têm a ver com acesso geográfico, financeiro, cultural, etc. Depois o cidadão tem de compreender perfeitamente o que deve, pode fazer pela sua saúde para depois conseguir tomar as tais decisões que o levam por exemplo a um melhor autocuidado ou cuidado de quem dele depende, e finalmente tão importante, é o uso correto da informação dos serviços e dos recursos de saúde. Isto é literacia em saúde.

Que papel pode ter a vossa associação no combate ao problema da iliteracia em saúde existente em Portugal?

A Sociedade Portuguesa de Literacia em saúde que ter um papel relevante na consolidação do investimento nas políticas que implementam a literacia em saúde em Portugal. E esta aposta abrange vários domínios, para além da saúde (social, cultural, político) como por exemplo na transferência de competências de saúde para as autarquias, que, acreditamos que existirão mais valias nesta descentralização e focalização da saúde nas comunidades. A transferência de competências de saúde para as autarquias deverá trazer um novo impulso, uma nova organização e uma nova dimensão à literacia em saúde, embora tenha de ser pensada e trabalhada numa perspetiva integradora de cuidados. Sabemos que a ciência dá poder e é isso que queremos trabalhar junto das comunidades, das organizações, das associações de doentes. Partilhar de forma simples, sem perder a qualidade dos conteúdos a força da linguagem assertiva, clara, acessível, construtiva e positiva. A linguagem que permite a adequada ação, porque direcionada ao destinatário certo.

O grande desafio é conseguir tornar o cidadão mais atento, mais reflexivo sobre a informação que consome diariamente e que pode pôr em risco a ele e a quem dele depende. Com o acesso mais fácil a fontes de informação o risco ficou aumentado na mesma proporção. Este é um fenómeno incontornável e apenas a capacitação das pessoas as poderá ajuda a resistir de forma informada.

O que se propõem fazer? Pode exemplificar?

Queremos contribuir, através de um conjunto de estratégias, para a literacia em saúde individual, organizacional e pública, para uma melhor saúde e bem-estar das pessoas, no seu ciclo de vida, ciência, com artes, técnicas e comunicação. Fazemos, para alcançar estes fins, uma abordagem integrada, inclusiva e multidisciplinar, promovendo e desenvolvendo competências, e por isso, conhecimento, capacidades e atributos, através da razão e da emoção, motivação, autoeficácia e das dinâmicas da aprendizagem acompanhada e ao longo do ciclo de vida.

Queremos com isto produzir e assegurar mais proximidade e cooperação, para um mundo mais sustentável, com mais paz, mais consciência, e com mais saúde em todas as políticas. Queremos criar, desenvolver, partilhar e fortalecer, através de parcerias multissetoriais e multiprofissionais, informação e conhecimento em saúde, dinâmicos e sempre atualizados, com o objetivo de influenciar, envolver, formar e apoiar os indivíduos, organizações, comunidades, profissionais em saúde, grupos, media, decisores políticos e outros, dentro dos respetivos contextos e ao longo do ciclo de vida, a melhorarem o acesso, compreensão e uso dos recursos em saúde e da correta navegação no sistema, que visam decisões melhoradas, refletidas e acertadas, seja de indivíduos , seja de grupos, que promovem e melhoram os resultados em saúde e bem-estar.

E ao nível da informação?

Entre os grandes desafios parece-nos urgente atuar sobre a desinformação que persiste nas áreas da saúde. Observamos e evidenciamos pelos estudos feitos, que continua a haver muitas pessoas, que pelo seu baixo nível de literacia em saúde, pela falta de conhecimento, consciência, seja individual, seja social, acreditam, tornam virais, porque disseminam informações aparentemente verdadeiras, mas onde se verifica um risco enorme para a saúde das pessoas. Esta evidência ocorre pela diversidade de sites falsos e com informação falsa, que promovem curas e tratamentos chamados “milagrosos” que estas pessoas acreditam, utilizam, reenviam, disseminam profusamente e que podem pôr em risco a sua saúde e dos que também são alvo pela confiança que depositam naqueles dos quais receberam a informação: é uma desinformação em cascata perigosa e muitas vezes sem alguém que possa estancar “a falsa informação” ou a informação exagerada, pouco comprovada cientificamente.

Há défice de especialistas em literacia da saúde?

Não se pode afirmar que haja défice. Há muitos, que ao longo dos anos tive também o privilégio de os formar na formação avançada de literacia em saúde de norte a sul do país e na formação avançada no ISPA, no IHMT, na ESEL, etc.. Sabemos, porém, que a população portuguesa exige uma maior preparação de profissionais das várias áreas para além da saúde, por exemplo do social, além dos “navegadores de literacia em saúde” que vamos começar a preparar. Este esforço é essencial se quisermos de fato ter uma integração e cuidados em saúde. Esta sociedade científica, apesar de jovem (janeiro 2022), tem contribuído para ser uma boa base de convergência de especialistas em literacia em saúde em Portugal (há muitos). Passamos de 20 para mais de 60 sócios em dois meses apenas desde a nossa constituição.

Em que medida o vosso projeto pode contribuir para diminuir esse gap?

Queremos investir em temas emergentes, críticos, estruturantes. Olhar para o cidadão de uma forma holística e ao longo do seu ciclo de vida. Deixamos o nosso compromisso e ações, das quais já lançamos o Prémio Nacional de Literacia em Saúde (com duas categorias com o patrocínio da Ciência Viva e da ROCHE) já organizamos o Dia Mundial da Saúde com a Ciência Viva, estamos a preparar formação para as associações de doentes com a AICIB, vamos debater a transferência de competências de saúde para as autarquias, entre outras ações.

A Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde está a realizar um conjunto de atividades com os cidadãos e com as várias comunidades em 12 campos

1) Começamos por afirmar que um dos principais objetivos é promover junto das comunidades o melhor conhecimento da literacia em saúde e dos seus efeitos positivos, contribuindo para a educação e promoção da saúde dos cidadãos, para o reconhecimento do seu valor social e clínico no esclarecimento de conceitos, atitudes e comportamentos individuais, grupais e comunitários;

2) Vamos colaborar ativamente com as autoridades sanitárias para prestação de apoio na reflexão de melhores caminhos em projetos de literacia em saúde, contribuir como parceira e consultora junto dos poderes públicos e Sociedade civil na promoção e divulgação de boas práticas da literacia em saúde no domínio das organizações sejam de saúde ou do social, e cooperar ativamente com as entidades de saúde para a melhoria da implementação da literacia em saúde, contribuindo para serem “organizações literadas”;

3) Neste processo caminhamos a passos largos para desenvolver e implementar parcerias nacionais e internacionais para o desenvolvimento de projetos de literacia em saúde, mediante a celebração de protocolos e outros instrumentos jurídicos com entidades públicas, sociais, privadas, nacionais e estrangeiras;

4) Isto implica ainda oferecer conhecimento sobre mudanças comportamentais nos diferentes contextos e estádios ao longo do ciclo de vida, para a promoção da autonomia da pessoa, na gestão da doença crónica;

5) Já estamos a criar um repositório digital no âmbito da literacia em saúde, disponibilizando-o para consulta, contribuindo para esclarecer os cidadãos no domínio dos conhecimentos sobre saúde que deve ficar pronto no final de junho 2022;

6) Para que nos pudessem conhecer melhor, estamos continuamente a desenvolver o website /sítio e outras plataformas da SPLS , como as redes sociais, com o objetivo de divulgar junto dos profissionais e do público em geral, aspetos relacionados com a saúde nas suas vertentes de prevenção da doença, promoção da saúde, educação para a saúde, comunicação para a saúde e bem-estar;

7) Até ao final do ano iremos também disponibilizar aos cidadãos e à comunidade, informação apropriada para aumentar a sua consciência e nível crítico relativamente à adoção de comportamentos saudáveis, como por exemplo guias e checklist de informação necessária à interação do cidadão com o sistema de saúde;

8) Faz parte dos planos para 2022 a criação da Revista da SPLS e outros formatos científicos para divulgação de iniciativas, ações, projetos de investigação de referência, promovendo a investigação nacional e internacional na área da literacia em saúde e áreas afins similares;

9) Pela competência do vasto número de profissionais experientes e especializados, desde médicos, enfermeiros, psicólogos, farmacêuticos, higienistas orais, terapeutas, etc., podemos emitir pareceres e recomendações sobre projetos, programas ou planos de intervenção para promover a literacia em Saúde na Sociedade civil;

10) O nosso código de atividade económica principal assenta na formação, e por isso estamos já a organizar ações de formação dirigidas a professores e educadores de várias áreas para melhor compreensão do conceito, das estratégias e da intervenção assim como ações de sensibilização, de curta duração, workshops, webinares ou outros formatos digitais sobre literacia em saúde, assim como organizar reuniões científicas para apresentação e discussão de trabalhos realizados no domínio da literacia em saúde;

11) Vamos celebrar o Dia Internacional da Literacia, com atribuição do Prémio de Boas Práticas de Literacia em Saúde a projeto ou iniciativa relevante na área da literacia em saúde, este ano de 2022 temos apoiadas pela Ciência Viva e pela Roche duas categorias do premio, sendo uma relacionada com a vacinação e esclarecimento e o outro com os doentes, cuidadores e associações de doentes. Agradecemos por isso os apoios que tornam possível esta intervenção nacional, e, finalmente, por último, um grande desafio que nos estimula será  12) a proposta de inclusão da Literacia em Saúde na formação pré e pós-graduada nas áreas da saúde, do social, da comunicação e outras, assim como formação à medida dos planos de formação.

 

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