O crowdfunding tem uma história longa. A Estátua da Liberdade, um ícone de Nova Iorque, foi oferecida pelos franceses aos americanos. Faltou dinheiro para terminar o seu pedestal e o Governador de Nova Iorque não queria comprometer dinheiro público para pagar a diferença.

Foi aí que o famoso publisher do “The New York World”, Joseph Pulitzer (o mesmo dos prémios de jornalismo), lançou uma angariação de fundos publicitada através do seu jornal, que reuniu, em apenas cinco meses, mais de 100.000 dólares de 160 mil doadores. Três quartos das doações foram inferiores a 1 dólar, mas a realidade é que a estátua foi erigida em 1886 e ainda hoje lá se encontra.

“Fast forward” para 2020 e a campanha de crowdfunding “Stop Covid-19”, lançada pelo movimento Tech4Covid19, que juntou várias start-ups portuguesas com a ambição de desenvolver projetos tecnológicos para ajudar a combater a ameaça do novo coronavírus, levantou mais de 100.000 euros em pouco mais de duas semanas na plataforma GoParity.

Entre 1886 e 2020 três fatores contribuíram para o recrudescimento do crowdfunding como meio alternativo de financiamento: (i) a Internet; (ii) as redes sociais; e (iii) a Grande Recessão de 2008/2012.

A Internet permitiu o aparecimento de plataformas digitais que se tornaram num local de encontro entre empresários, inovadores/inventores, financiadores, investidores, artistas e os seus fãs, entre outros.

As redes sociais proporcionaram um megafone global para transformar produtos ou projetos simples, pequenos e locais, em sucessos internacionais cujos criadores ganham rapidamente fama de visionários e incontornáveis.

Juntas, Internet e redes sociais, são hoje o que o “The New York World” foi em tempos para a Estátua da Liberdade. Com efeito, o acesso generalizado, transparente, rápido e eficiente que estas tecnologias/soluções permitem potencia o crescimento do crowdfunding para uma escala que permite, de facto, fazer a diferença.

No entanto, foi na convulsão da Grande Recessão vivida (apenas!) há cerca de dez anos que se deu a explosão destes métodos alternativos de financiamento. As plataformas Lending Club foi criado em 2007, o Indiegogo em 2008 e o Kickstarter em 2009, todas nos EUA. Mais tarde, após iniciativas legislativas dos dois lados do Atlântico (os EUA com o JOBS Act e o Reino Unido com o Breedon Report), nasceram em 2011 as plataformas de capital Micro Ventures (EUA) e Seedrs (RU).

O crowdfunding cresceu, neste contexto, apoiando aquilo que o sistema tradicional (essencialmente bancário) não conseguia ou não queria financiar. Infelizmente, não existem estatísticas globais credíveis, mas estima-se que as plataformas de financiamento alternativo terão sido responsáveis por angariar cerca de 30 mil milhões de dólares em 2019.

Estes montantes, não sendo ainda de dimensão extraordinária à escala do mercado financeiro global, constituem uma clara afirmação do poder da “Main Street” em alternativa a “Wall Street”, pois alavancam a vontade de muitos que, com modestos contributos individuais, conseguem mobilizar recursos significativos (essencialmente dinheiro, mas não só) para concretizar todo o tipo de projetos de carácter social, artístico e empresarial.

Ao contrário da crise de 2008-2012, que afetou primeiramente as elites do sistema financeiro e aqueles que a ele tinham acesso ou eram por si suportados – e, só depois, por efeito spill-over, se transmitiu ao resto da economia –, a crise que vivemos está a ser especialmente perniciosa, desde o primeiro momento, para um número muito significativo de pessoas e de micro e pequenas/médias empresas.

Do lado das empresas: restauração, hotelaria, entretenimento, todo o tipo de prestadores de serviços e start-ups; do lado das pessoas: pequenos empresários, trabalhadores dispensados (do quadro ou a recibos verdes), atores, músicos e outros, têm sido especialmente impactados. E porque aqueles que mais sofrem são os que mais lutarão por um futuro melhor, será daqui que virá a matéria-prima de que se fará a retoma. O crowdfunding será uma das ferramentas importantes dessa retoma.

Com efeito, do ponto de vista macro, é fundamental descentralizar o funcionamento da economia e o seu financiamento, ainda demasiado dependente das instituições financeiras tradicionais (o risco sistémico a que tal nos expõe ficou bem patente durante a última crise e voltará a ser evidente nesta).

Do ponto de vista micro, a crise atual terá o condão de recentrar as nossas prioridades e foco naquilo que nos é mais próximo, no nosso círculo mais restrito. A família, os amigos e a “nossa” comunidade serão os pilares para construir novos caminhos, projetos inovadores, empresas com impacto (os unicórnios perderão importância relativa, até porque muitos deixarão de o ser).

Um restaurante pode vender antecipadamente refeições aos seus clientes mais fiéis para serem consumidas quando estes reabrirem as suas portas; um músico pode angariar doações mensais de pequenos mecenas para continuar a criar durante a crise; uma empresa pode colmatar os seus problemas de tesouraria com um financiamento angariado numa plataforma de financiamento online; um empresário pode ceder uma parte do capital da sua empresa como contrapartida para arrancar e fazer crescer o seu projeto.

É ainda cedo para avaliar como será o mundo pós-Covid-19, mas não tenhamos dúvidas, o crowdfunding reforçará o seu papel no financiamento de pessoas, projetos e empresas.