Confesso a minha incapacidade para traduzir eficazmente estas duas palavras – whistlesblowing e speakup –, mas acredito que a reflexão coletiva sobre o seu significado e a escolha da expressão mais positiva fazem toda a diferença.

A mudança de paradigma implica deixar cair o rótulo de “denunciante/delator/bufo” e passar a reconhecer o mérito dos que são capazes de dar voz às injustiças, de sinalizar as más práticas éticas, de reportar o intolerável. A mudança cultural poderá então acontecer, de forma gradual, mas sólida, ancorada na exemplaridade dos que premeiam a transparência, a responsabilidade e o respeito.

São estes valores que permitem a construção ou o reforço de culturas organizacionais mais éticas e são os espaços seguros de reflexão sobre a implementação destes mesmos valores que poderão aumentar a sensibilidade ética de todos nós.

Por sensibilidade ética entendemos a capacidade de estar atento a irregularidades e más práticas éticas, a disposição para a indignação perante tais situações e a vontade de implementar estratégias que evitem a sua ocorrência. A sensibilidade ética precisa de ser reforçada por uma cultura organizacional que a alimente através de bons códigos de ética/conduta e de políticas de não retaliação claramente enunciadas e divulgadas por todos os seus membros.

Consideramos, portanto, que é crucial a transformação para uma cultura (organizacional), na qual NÃO seja necessário ter coragem moral para “denunciar/reportar”, ficando bem claro que a retaliação é ela própria um ato de violação às normas, internas e externas. É também essencial que haja responsabilização e consequências claras, de forma a robustecer a confiança, sem a qual o edifício ético poderá ser facilmente danificado.

No Fórum de Ética da Católica Porto Business School acreditamos que esta transformação é possível com a criação de espaços seguros de reflexão regular, inter-e-intra-equipas, usando o que designamos de post-its reflexivos, ou seja, frases, textos, imagens que possam despoletar conversas formais e/ou informais sobre os temas que verdadeiramente preocupam as pessoas e sobre os riscos éticos das organizações.

A par destes espaços de reflexão regular, é preciso ter uma visão robusta e partilhada sobre cultura ética organizacional. Corroboramos o entendimento de Schwartz, assente em três pilares fundamentais, que se sobrepõem, se relacionam e se reforçam mutuamente: a) programa de ética formal, no mínimo com código de ética, canal de denúncias, formação e gabinete de ética; b) liderança ética, de topo e intermédia, formal e informal; c) valores éticos essenciais, imbuídos nas políticas, processos e práticas de toda a organização.

Atualmente, somos confrontados com legislação sobre assédio, corrupção e proteção de denunciantes. Exige-se a criação de um código de ética/conduta e um canal de denúncias, sendo imperativo que não haja “apenas” um programa de cumprimento normativo, mas também um programa de ética (em paralelo ou em conjunto, mas obrigatoriamente em sintonia) que permita transformar uma cultura de whistlesblowing numa cultura de speakup, utilizando as palavras mais adequadas à organização.

É esse o objetivo da área da ética que, com recursos, competências e poder, deverá ter como propósito a criação e implementação de um Programa de Ética & Compliance que promova uma cultura integradora de todos os que querem ter voz e sinalizar o que é ética e/ou normativamente incorreto ou mesmo errado.