Há inúmera literatura científica demonstrativa de que, a partir de certos patamares de riqueza, o crescimento continuado do PIB per capita perde a sua potência de gerar bem-estar. Em concreto, a partir dos 30.000 dólares anuais de PIB per capita, o crescimento económico deixa de estar inequivocamente correlacionado com maiores níveis de bem-estar, de felicidade.

Este é um resultado robusto, que pode ser ilustrado pelo gráfico abaixo.  Aí, podemos ver como a nuvem de pontos, representativa dos países nos seus níveis de felicidade e de PIBpc, deixa de apresentar uma tendência linear e positiva (como sucede até aos 30.000 dólares), para passar a ser de tendência indefinida.

 

Esta evidência empírica encerra uma lição política importantíssima: a partir dos 30.000 USD de PIBpc, importa muito mais o tipo de crescimento económico, ou o que se faz além desse crescimento, do que o crescimento em si.

Embora as razões explicativas para este fenómeno sejam diversas e já bem discutidas na literatura, a base do argumento é de compreensão simples: quando já reunimos as condições materiais suficientes para suprirmos as nossas necessidades mais importantes, a riqueza adicional é gasta no supérfluo, que tem retornos muito menores na nossa felicidade.

Mais, se para continuarmos a crescer economicamente prejudicarmos dimensões fundamentais do nosso bem-estar como o sono, a saúde mental, se aumentarmos o stress, a competitividade e o consumismo, diminuirmos os bens relacionais e a confiança, estaremos a diminuir a nossa felicidade, apesar de dispomos de mais bens e serviços.

Apesar de haver toda esta evidência científica, e de se realizarem fóruns onde se debatem estes problemas, tarda em os países assumirem as verdadeiras consequências deste facto. Ainda recentemente, a propósito da Cimeira Social da UE, que decorreu no Porto, um dos responsáveis europeus dizia que, por palavras mais elegantes, “isto do social é muito bonito, mas o que verdadeiramente interessa é o PIB”.

Confesso que, como estudioso do tema desde 2004, já me cansa este discurso estafado do PIB, este dogma anti-realista. Para um bloco económico rico como a Europa, já não é o crescimento do PIBpc o que verdadeiramente interessa, mas sim a coesão social, a sustentabilidade ambiental, a democracia e a diminuição das desigualdades.

Em Portugal, também abundam os religiosos do PIB, principalmente entre os economistas e os políticos, que se exibem ignorantes perante a realidade (um traço infeliz de muitos economistas).

É verdade que Portugal, sendo dos mais pobres da Europa, beneficiará com o crescimento económico. Porém, já tem um nível de riqueza que faz com que a questão mais importante seja a da qualidade e não a da quantidade. Vamos crescer aumentando salários e combatendo a precariedade (algo que, p. ex., o turismo não tem sido capaz de fazer)?  Vamos crescer libertando tempo-livre e promovendo a saúde mental (ou vamos aumentar as cargas laborais e potenciar o burnout)?

Vamos crescer respeitando a sustentabilidade ambiental (ou vamos esgotar os recursos e destruir a paisagem)? Vamos crescer diminuindo as desigualdades e a pobreza (ou aceitamos alegremente o aumento imoral nas diferenças salarias)?

No fundo, e voltando aos dados espelhados no gráfico acima, de nada nos valerá crescer muito para ficarmos como Hong-Kong (que é mais infeliz do que nós) e de pouco nos servirá crescer para o nível do Qatar (que é muito mais rico e pouco mais feliz), mas já compensará crescer (ainda que muito menos) para sermos como a Nova Zelândia ou a Finlândia. Mais, através dos dados, constatamos que podíamos até ficar mais pobres e sermos mais felizes, como sucede na Costa Rica ou no Uruguai, ou, quase mantendo a riqueza, aumentar a felicidade para os níveis da Eslováquia.

Enfim, a Europa (e Portugal) tem que ter coragem de encarar a realidade e perceber que não estamos perante um problema de quantidade, mas de qualidade. Só percebendo isto e desenhando as políticas adequadas, conseguiremos uma Europa e um Portugal mais felizes.

Contra a impotência do PIB, temos a potência dos bens relacionais, do capital social e da inovação comunitária. É esse o caminho da felicidade.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.