Que bom seria que a notícia da dança do oficial português com uma guerrilheira das FARC na noite de fim de ano, que gerou uma onda de polémica e obriga ao regresso antecipado do militar, fizesse parte da nova moda de falsas notícias – isto a bem de mantermos a esperança na espécie humana.

Infelizmente, parece que é mesmo realidade. A tal que não se cansa de nos surpreender sempre mais imaginativa que a ficção. Resta aceitá-la, mas antes esmiucemos a questão.

Rezam as crónicas que o capitão de fragata, em missão de supervisão do processo de paz, integrou um grupo que a convite de uma das partes se deslocou à festa de passagem de fim de ano, tendo aí sido convidado a dançar com uma das jovens que lá estava. Dançou, foi filmado, caiu o Carmo e a Trindade e, no final, como se diz não muito longe dali (no Brasil), o capitão dançou.

Manda o bom senso que no estrangeiro, ou discorrendo sobre matérias do estrangeiro, porque há susceptibilidades que não se conhecem, e porque se é convidado em casa alheia, se actue com discrição e bom senso redobrados.

Porém, o bom senso também nos diz que ver neste caso mais do que um momento de confraternização – como é apanágio nas celebrações de fim de ano, pondo de parte momentaneamente as responsabilidades do dia-a-dia – é a prova de que há problemas que correm fundo e que confundem e complicam o que é simples. Neste caso, o mal não está em quem faz, está em quem vê. Bom seria se todos os problemas do processo de paz ou do comportamento do pessoal da ONU no estrangeiro  fossem estes.

Compreende-se que quando a coisa toma proporções anormais – leia-se a forma como a opinião pública local viu, ou lhe foi mostrado, o episódio em questão –, ao ponto de impedir o normal prosseguimento do trabalho, mais não resta do que lamentar, “arrumar a tenda” e partir.

Mas não nos enganemos. Este soldado de guerra em missão de paz ao retribuir a cortesia do convite para jantar e dançar, no fundo um gesto da paz que se quer implementar, demonstra saber algo que fala mais alto que qualquer coro de críticas: a paz gera a paz, e esta faz-se tanto de grandes como de pequenos gestos. E só prestigia o país que tem forças armadas assim.

Tomara que haja muitos mais, militares e civis também, a evidenciar uma das características que este povo, desde os tempos em que a grandeza do país significava uma presença nos sítios mais distantes do mundo, sempre soube exibir – a capacidade de se misturar com os locais. E a vaidade, aquele orgulho maroto, de junto deles difundir a portugalidade, que faz de nós um povo que deixou raízes em todo o mundo. Dançando e muito mais.

Vem para casa antes do previsto. Uma boa notícia, que também podia não ser falsa, é que tem uma medalha à sua espera.

O autor escreve segundo a antiga ortografia.