Os mercados financeiros entraram no novo ano num clima de sentimento muito favorável para as classes de ativos de risco, com os investidores a premiarem os bons desenvolvimentos relacionados com o princípio de acordo entre Estados Unidos e China, o posicionamento mais acomodatício dos bancos centrais, e leituras favoráveis quer para os resultados das empresas, quer por parte da economia, que providenciaram à partida uma benevolência extra para prolongar um ciclo de valorização dos principais índices acionistas.

Esta combinação foi prevalecendo sobre todos os sinais de risco, sobretudo os de carácter geopolítico, tendo por exemplo ignorado por completo todos os fatores de risco associados à efetivação da saída do Reino Unido da União Europeia – que certamente continuarão a vir ao de cima durante o resto do ano, seja pelo processo de negociação de novos acordos, que pelo efeito contágio que esta saída pode ter noutros países, seja para o mal (euroceticismo em países como Itália a poder alimentar processo similar), ou para o bem (Escócia a querer manter-se na União Europeia) do projeto europeu.

Os mercados financeiros ignoraram também durante bastante tempo a evolução da nova estirpe de gripe asiática – o coronavírus – e as suas potenciais implicações para a economia mundial, que vai para além da propagação viral a ocidente.

De facto, o tema de um potencial alastramento ao espectro económico permaneceu por demasiado tempo fora do debate dos analistas e observadores da economia e mercados desenvolvidos, talvez pela análise histórica, e que é correta, de que não há evidência estatística que aponte para impactes significativos deste tipo de situações ao nível da atividade económica. E também pela perceção da especificidade local, ou seja, que se trata de uma situação na China e países asiáticos vizinhos, e que estando contida nessa região, estaria muito restringida nessa região.

No entanto, existem fatores que exigem maior reflexão e cuidado na apreciação do potencial impacto desta situação, que apesar de contida geograficamente na China, pode representar um risco ao crescimento económico mundial – mesmo que a Organização Mundial de Saúde não declare a mesma como uma pandemia.

A primeira reflexão está relacionada com o facto das autoridades chinesas terem tomado medidas de enorme exigência relativamente à movimentação de pessoas, e sobretudo ao encerramento forçado das empresas, durante um período que na prática prolongou os feriados do fim de ano Chinês. Na verdade, as áreas onde toda a atividade empresarial foi encerrada como medida de quarentena têm um valor económico associado a mais de dois terços do PIB do gigante asiático (se considerarmos todas as províncias afetadas atinge mesmo os 80% do PIB chinês). Este período de fecho (ou lock-down) foi definido até a data de 10 de fevereiro.

Esta dimensão económica tem repercussões óbvias, e não apenas para a China, porque o peso desta economia no sector produtivo das economias ocidentais é incontornável e vai ter o seu impacto.

Acresce que esta situação poderá até ser prolongada, e quanto mais restritiva e mais longo o período de implementação, maior visibilidade terá sobre os mercados ocidentais, que, no limite, podem reagir muito negativamente a uma revisão acentuada das estimativas de crescimento da China e da Ásia, combinada com múltiplos de preço bastante exigentes com que têm estado a transacionar atualmente.

Os danos colaterais de um agravamento da situação viral na China, mesmo que contida regionalmente através de medidas draconianas de quarentena, podem inclusivamente trazer ao de cima, no limite, o espectro de uma degradação muito rápida da conjuntura económica mundial (uma vez que as expectativas de crescimento noutras regiões do mundo são bastante moderadas).

Tal como também podem mexer com os equilíbrios geopolíticos, nomeadamente no que diz respeito a um potencial retrocesso nas negociações do acordo comercial com os Estados Unidos, dadas as dificuldades que o cumprimento do recentemente assinado pode causar para China (sobretudo ao nível das quotas do setor agrícola), assim como pelos atrasos que certamente vão se manter no sentido de negociar um acordo mais sustentável e definitivo.