Sendo hoje a antevéspera do Natal, quadra por excelência de solidariedade e de partilha, este é o dia ideal para refletirmos sobre uma notícia recente que não abona mesmo nada a nosso favor, dos Portugueses, no que aos bons sentimentos e boas ações diz respeito. Refiro-me à nossa capacidade de envolvimento no sentido de ajudarmos a melhorar a vida dos outros.

No dia 20, Dia Internacional da Solidariedade Humana, foi divulgado o resultado de um estudo, o World Giving Index, elaborado pela Charities Aid Foundation e relativo ao ano de 2020. O primeiro ano da pandemia, portanto. Nesse inquérito, Portugal surge em penúltimo lugar, apenas à frente do Japão, numa lista de 114 países. O índice, que mede o tempo de voluntariado dos inquiridos, o número de doadores e o tempo dedicado à ajuda a desconhecidos, apresenta como resultados que apenas 14% dos Portugueses declararam ter praticado alguma ação de voluntariado no mês anterior ao do inquérito, 20% que tinham doado a uma qualquer instituição e 42% que disseram ter ajudado um estranho necessitado de ajuda em alguma circunstância.

Mesmo que possamos argumentar que o voluntariado se ressentiu, devido à paralisação de muitas entidades e atividades que resultou do confinamento, é preciso lembrar que esse mesmo confinamento existiu em outros países e que tal circunstância, em si mesmo, não justifica que Portugal tenha descido tanto no World Giving Index, onde ocupava anteriormente uma já não honrosa 88ª posição.

Como já por diversas vezes aqui referi e comprovei, com base em múltiplas fontes e factos, o ano de 2023 vai ser particularmente desafiante para os Portugueses em termos socioeconómicos. As circunstâncias de extrema dificuldade que se avizinham irão exigir redobrados esforços por parte das múltiplas IPSS e instituições de solidariedade que todos os dias estão no terreno a apoiar quem precisa e que são, infelizmente, cada vez mais.

Como ex-Comissário Municipal de Combate ao Desperdício Alimentar, entidade coordenadora que criei no âmbito das minhas então funções de vereador na Câmara de Lisboa, estou bem familiarizado com as qualidades e também as fragilidades que existem na rede de solidariedade assistencial, não apenas na capital como também no país. Só uma consciência assente na partilha nos permitirá atravessarmos de cabeça erguida a intempérie que se aproxima. Ou melhor dito, os seus efeitos, dado que essa intempérie já está entre nós, fruto da inflação, dos efeitos da guerra na Ucrânia e da crise energética.

Estamos ligados uns aos outros e assim coexistimos e convivemos. Não deixemos que se perca essa noção essencial, a qual sempre foi associada aos portugueses, e que é a certeza de que dar é também receber.

 

Ana Pina

Não poderia ser mais adequado a esta quadra o livro agora publicado pela Bertrand e que resulta de uma entrevista ao Papa Francisco conduzida em Roma por esse ícone maior do nosso jornalismo que é Maria João Avillez. A propósito das Jornadas Mundiais da Juventude, que se realizarão em Lisboa no próximo ano, esta profunda entrevista aborda múltiplas facetas do pensamento e da vida de uma figura excecional e que tem “a esperança como modo de vida”.