A notícia de que se organiza nas redes sociais, para o próximo dia 21, um protesto no nosso país a nível nacional e semelhante ao dos “coletes amarelos” em França é preocupante por várias razões, de ordem económica, social e cultural. Dir-me-ão que até mesmo os organizadores do protesto têm noção de que as suas várias dezenas de milhar de apoiantes virtuais não significam que igual número de pessoas saia de casa para bloquear as ruas nesse dia. Mas, em resposta, penso que basta analisar o que sucedeu na passada terça-feira, com a invasão pelos impacientes passageiros de um barco de ligação Seixal-Lisboa, para constatar quão curta é a distância entre a indignação e a insurreição civil.

Em França, as consequências das medidas anunciadas no início desta semana por Macron, na sequência dos protestos, custarão 10 mil milhões de euros e colocarão o défice do país em 3,4%, acima do limite de 3% definido pelas regras europeias. O discurso oficial do primeiro-ministro Edouard Philippe é o de que o Executivo tomará medidas para conter a aceleração da despesa pública, mas o desequilíbrio das contas públicas francesas é imenso e as medidas serão obviamente pagas de uma forma ou de outra pelos contribuintes, a curto/médio prazo, e os mesmos que protestaram nas ruas serão vítimas dos seus próprios protestos quando as medidas anunciadas – como o aumento do salário mínimo em mais de 100 euros, a isenção de impostos para as horas extra e para os prémios dados aos trabalhadores e a reversão do aumento dos impostos para pensões inferiores a 2.000 euros por mês – tiverem que ser contrabalançadas para o equilíbrio das contas públicas.

Por cá, fala-se no Facebook e no WhatsApp do bloqueio de estradas e mesmo do incêndio de edifícios públicos como quem prepara um piquenique. Os discursos virtualmente inflamados e muitas vezes de contas anónimas disfarçam as verdadeiras intenções, que são tudo menos benéficas para a economia e os cidadãos.

É verdade que toda esta agitação – cá, como em França, onde os protestos também começaram nas redes sociais antes de saírem para as ruas – revela que existe uma profunda insatisfação por parte de um conjunto de cidadãos face aos seus governantes. Mas, lá como cá, esses cidadãos não podem substituir as urnas pelas ruas e o voto pelo calhau de calçada. O processo democrático não é o jogo de computador Grand Theft Auto em que ganha quem age à margem da norma e da Lei.

A “maioria silenciosa” dos portugueses, para utilizar a expressão spinolista da altura do PREC, está distante destas agitações e debates inflamados, enxameados por exigências irrealistas e contraditórias, emotivas e quase nunca sustentadas pelos factos e a realidade. A falta de correspondência que existe entre o discurso deste Governo e a vida real dos portugueses não justifica a violência ou os atos ilegais. Para castigo de quem mal agiu – e para escolher outro governo que melhor trabalhe – servirão as eleições que se aproximam. Não o Facebook ou o WhatsApp.

 

 

Foto: João Relvas/Lusa

O conflito entre os bombeiros e o Governo é algo que tem de ser resolvido rapidamente. E essa resolução só poderá existir se for encontrada uma base de diálogo sensata entre as partes em confronto. Até agora, este Governo – e em particular o ministro Eduardo Cabrita – têm demonstrado, por arrogância ou inabilidade negocial, uma incapacidade de diálogo enorme. E também o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses tem inflamado demasiadamente a sua posição. É preciso que as partes se entendam. O país tem ainda bem presente na memória as tragédias recentes e não aceitará que seja de outra maneira.