Isabel dos Santos foi idolatrada em Portugal por políticos, empresários, gestores e alguma comunicação social. Todos metiam cunhas ao advogado da empresária. Agora passou a persona non grata, com alguns dos próximos a não a reconhecerem ou a serem os principais detratores.

O tema Isabel do Santos é claramente do foro judicial e é aí que tem de ser tratado. Isabel dos Santos tem algumas posições quase indefensáveis, sobretudo nos negócios em que foram os dinheiros públicos a pagar as contas, mas também tem argumentos fortes que a levam a afirmar estar a decorrer uma “caça às bruxas” e ela ser a principal visada. E sem querer tomar partido, porque o assunto é judicial e não político, a engenheira é diferente dos irmãos e dos generais que tiveram idênticas hipóteses, porque também foram favorecidos pela statu quo de domínio da família Dos Santos e não construíram o “império” financeiro e industrial.

A deliberação do Tribunal Provincial de Luanda de arrestar os bens da empresária, e que teve como base as alegadas perdas económicas estimadas no equivalente a mil milhões de euros é o tema para 2020 em Angola, mas também Portugal. E se o Banco de Portugal e a CMVM estão atentos às empresas onde a mesma é acionista, também é relevante para o nosso país que seja garantida a estabilidade dessas mesmas empresas – falamos de bancos, serviços, telecomunicações e indústria. Para já chegou uma carta rogatória a Portugal que impediu a transferência de fundos do BCP para um banco na Rússia. Mas esta é aponta do icebergue de uma gestora que também é estratega e que confia mais na Rússia e no Cazaquistão do que em qualquer outro país.

Isabel dos Santos vai contar a sua versão nos tribunais mas, por enquanto, usa as redes sociais e os meios de comunicação social que pode. E recentemente lembrou que entre a entrada da Sonangol na Galp e os dias de hoje a valorização da petrolífera mais do que duplicou. Claro que não foi apenas pela estratégia mas também pelo demérito do vendedor da altura, os representantes do Estado português.

Onde a situação parece indefensável para o lado da empresária é a relevante ligação ao Estado angolano da altura. Um exemplo aconteceu em Portugal aquando da aquisição da NOS com fundos da CGD. Dificilmente a operação poderia ser feita com outro empresário que não tivesse o pai que Isabel dos Santos tem. Sendo inteligente, educada em Londres, filha de uma russa, o crescimento fez-se muito pelo estatuto de filha de ex-presidente JES. E Portugal, sendo neutro e preocupando-se apenas com a estabilidade das empresas onde a senhora de forma direta e indireta é acionista, beneficiou dos apoios a Isabel dos Santos porque era quase como tratar um assunto Estado-Estado. Mas, frisamos, não será fácil tirar-lhe o “ownership”.

Também é verdade que o Estado angolano, reconhecido internacionalmente, pode arrogar-se a exigir a devolução do que é dos seus contribuintes porque entende que as participações de Isabel dos Santos são participações sociais do Estado angolano. Mais. Há uma última questão que o Estado português deve acautelar: uma coisa é ser um empresário dono de algo, outra coisa é ser um Estado soberano dono do mesmo ativo estratégico.