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Demografia, Economia e Segurança Social: Portugal necessita de mais crianças ou mais imigrantes?

Perante o mesmo problema – declínio demográfico -, prioridades diferentes. O PSD de Rui Rio apresentou um pacote de medidas de incentivo à natalidade, enquanto o Governo de António Costa aposta numa política nacional de atração de imigrantes. Qual das políticas é mais urgente ou tem maior valor económico? E quanto à sustentabilidade da Segurança Social a médio prazo?
23 Julho 2018, 12h50

O PSD apresentou recentemente um pacote de medidas que visam incentivar a natalidade, com destaque para a criação de um novo subsídio de 10 mil euros por cada filho até aos 18 anos de idade (em substituição do abono de família), creches gratuitas a partir dos seis meses (e ensino pré-escolar também gratuito) e um apoio suplementar de 428 euros a todas as grávidas ao sétimo mês de gestação. “Este é um documento para debate e será vertido no programa eleitoral do PSD”, declarou Rui Rio, presidente do PSD, expressando a sua preocupação com a “hemorragia demográfica” que assola Portugal.

O primeiro-ministro António Costa saudou a iniciativa do PSD e classificou as propostas como “bons contributos para o debate”, mas no debate que se realizou na Assembleia da República, a 27 de junho, predominaram os pontos de divergência entre o PSD e o CDS-PP, por um lado, e o PS, BE e PCP, por outro lado. A prioridade de Costa, aliás, tem sido o aumento da imigração como forma de compensar o declínio demográfico. Ficou plasmada, aliás, na moção de orientação estratégica que apresentou no Congresso Nacional do PS, em maio, na qual delineou uma política nacional de atração de imigrantes. “Por mais contas que se façam, não basta o aumento da natalidade para repor o nosso saldo migratório. Precisamos de imigração e, por isso, esse paradigma tem que ser dito com toda a clareza: precisamos de atrair talento para viver em Portugal”, afirmou o primeiro-ministro e líder do PS, em abril, apontando para a recente evolução do índice de envelhecimento (de 68,1 em 1990 para 150,9 em 2016).

É mais urgente aumentar a taxa de natalidade ou atrair mais imigrantes? “O debate é espúrio. São duas abordagens complementares, não alternativas”, responde o economista João César das Neves. A curto prazo, a única forma de resolver os problemas é promover a imigração, porque evidentemente que a promoção da natalidade demora décadas até ter efeitos. Mas a imigração realmente nunca resolve a questão, apenas o equilíbrio demográfico pode fazê-lo. Precisamos de ambas as abordagens. Os partidos sabem disso, mas têm clientelas para servir”, conclui.

“Em bom rigor, não é necessário nenhuma delas”, considera a historiadora Raquel Varela. “A União Europeia está preocupada com a elevação salarial que decorrerá da queda demográfica. Os salários vão subir sem um exército de desempregados que pressione para baixo o salário dos que estão empregados. Quem o reconhece também sem timidez é o Fundo Monetário Internacional, o regulador do salário é o desemprego. Mas o problema da Europa não é falta de imigrantes nem de população, mas onde os recursos são investidos, as perguntas essenciais da economia enquanto organização da ‘casa’, é esse o significado da palavra economia, regras da ‘casa’, ou seja, produzir para quem, produzir o quê e por quem e como. A produtividade tem aumentado quase sistematicamente desde 1950, mas em vez de se reduzir o horário de trabalho, aumenta-se. No início de 2006, a população total dos 27 Estados-membros da União Europeia era de 491 milhões de pessoas. Dos quais 40,6 milhões eram imigrantes legais (8,3% da população total). Mas a população ativa da Europa central e ocidental era, nesta data, de 227 milhões. Na ausência de imigração e com taxas de atividade idênticas às atuais, essa população activa reduzir-se-ia para 201 milhões de pessoas em 2025 e 160 milhões em 2050”.

 

“A curto prazo, a única forma de resolver os problemas é promover a imigração, porque evidentemente que a promoção da natalidade demora décadas até ter efeitos”, sublinha João César das Neves.

 

“Mas estes imigrantes e refugiados (e por isso o mundo e todos nós) têm, sim, um problema enorme de falta de condições de vida no seu país. Estamos a falar de vida ou morte em guerras e países que mesmo não estando em guerra têm os seus recursos esgotados ou destinados a produções que não geram sequer alimentos para os locais”, prossegue Varela. “Há um erro na dita ‘crise demográfica’, uma demagogia central, que confunde duas coisas: o capitalismo europeu está com escassez de força de trabalho e isso vai fazer subir os salários. E por isso há tanto incentivo publico às migrações, incluindo por parte de Angela Merkel. E nos países periféricos a miséria grassa, porquê? Porque a Nestlé institui um regime de monocultura na Etiópia, a Monsanto no Brasil, a Shell no delta do Níger. Estas pessoas não têm como viver, nem sobreviver, porque os recursos dos seus países são pilhados por uma cumplicidade de ligações entre as corporações e os Estados europeus. Com muitos compadrios dos governos locais, é bom lembrá-lo. A Política Agrícola Comum, por exemplo, incentiva a produção de excedentes, subsidiando-os, e depois entrega-os às ONG que os doam a África arrasando com a agricultura local porque os agricultores locais não têm como concorrer com leite de vacas europeias subsidiado a dois dólares por dia. A somar a isto a monocultura e, talvez o mais determinante, as políticas de empréstimos que destruíram ainda a periferia”.

“Agora, transformar isto tudo numa questão de demografia europeia é uma pirueta ideológica que nada tem de científico. E claro que vem abotoada à chamada política de ‘direitos humanos’ que agora é sinónimo de livre concorrência entre a força de trabalho. Ora, eu estou convencida de que entre a livre concorrência (que nos jornais aparece como ‘humanitária’) e a xenofobia da extrema-direita há uma terceira solução: a luta conjunta dos povos através dos sindicatos e partidos para melhorar as condições de vida de todos. Porque é que os estados não se recusam a importar bens vindos de países onde não há direitos sindicais e democráticos? Porque é que são as próprias empresas europeias a usufruir desse ausência de direitos com a deslocalização, e duplamente, porque lá têm baixos salários, aqui com a ameaça de deslocalização aumentam a intensidade do trabalho. Isso sim seria humanitário, exigir direitos laborais em todo o mundo”, argumenta a historiadora. “Melhor, porque é que não juntamos os trabalhadores da Volkswagen na Alemanha e Brasil a encontrar um acordo para elevar as condições de vida em vez de concorrer por quem dá menos?”

 

“A União Europeia está preocupada com a elevação salarial que decorrerá da queda demográfica. Os salários vão subir sem um exército de desempregados que pressione para baixo o salário dos que estão empregados”, afirma Raquel Varela.

 

“É demagogia afirmar que a Europa vai cair em declínio com falta de pessoas. É um absurdo”, salienta Varela, a qual acaba de publicar um livro intitulado como “Breve História da História”. E acrescenta: “A Fundação Francisco Manuel dos Santos, em Portugal, é quem mais tem divulgado aquilo que considero ser um mito. Aliás, tem patrocinado vários estudos (sérios nas contas) sobre população e escassez de força de trabalho. A Comissão Europeia criou uma equipa só para analisar a relação entre queda demográfica e subida salarial. Estão preocupados com o lucro, não com o bem-estar de quem trabalha aqui ou na periferia. O problema do mundo é a qualidade de vida e bem-estar dos que cá estão, não é a falta de mais pessoas. Em primeiro lugar, há um problema sério de sobrepopulação e de esgotamento de recursos em várias regiões do mundo. Em segundo lugar, setores mais bem cuidados e alimentados da população em vários países (a maioria nos países centrais, mas não só) atingiram uma enorme qualidade de vida que deve ser mantida. Pode-se ter 70 anos de idade e passear, namorar, ser feliz e ter saúde. Aliás, é assim que estão muitos dos meus colegas na Holanda. Essa deve ser a meta para o mundo. Em Portugal, o problema maior não é a baixa natalidade mas a pobreza, sobretudo entre os idosos. Há mais de três milhões de pobres, já cá estão entre nós, é um terço da população segundo dados oficiais”.

 

A sustentabilidade da Segurança Social

Do ponto de vista económico, o que é mais benéfico: aumentar a taxa de natalidade ou atrair mais imigrantes? E no que respeita à sustentabilidade financeira da Segurança Social? “Para além da questão do prazo, a que já me referi, o efeito económico está na enorme diferença entre ter pessoas temporariamente no país ou mais cidadãos que perpetuam a sociedade. A imigração tem resultados produtivos e financeiros imediatos, mas pode criar problemas graves de integração, de identidade, de sustentabilidade. No entanto, nestas questões de população, o lado económico é secundário e resolúvel, porque os problemas económicos são apenas transitórios, enquanto não se chega a um novo equilíbrio demográfico. A verdadeira questão é cultural e tem a ver com o futuro da identidade portuguesa”, argumenta César das Neves.

Por seu lado, o economista Ricardo Paes Mamede salienta que “seria necessário esperar uma geração até que o aumento da natalidade produzisse efeitos positivos na Segurança Social. No entretanto, aumentariam as despesas com saúde, educação e apoio às famílias. Desse ponto de vista, a imigração é uma resposta mais adequada, pois implica receitas imediatas”. Na perspetiva de Paes Mamede, aliás, “nenhuma das medidas [aumento da taxa de natalidade ou atração de mais imigrantes] é urgente”.

 

“Seria necessário esperar uma geração até que o aumento da natalidade produzisse efeitos positivos na Segurança Social. No entretanto, aumentariam as despesas com saúde, educação e apoio às famílias”, alerta Ricardo Paes Mamede.

 

Para Varela, o essencial é “aumentar os salários de todos. Ter contratos colectivos de trabalho por cadeia produtiva e não por país. Deve tendencialmente chegar-se ao momento em que todos os que trabalham na Nestlé ganham decentemente, aqui ou na Etiópia. Os salários devem ser adaptados ao custo de vida, claro, mas sem dumping social. É urgente que os trabalhadores na Europa questionem as políticas que destroem os recursos e, por isso, põem em causa a autodeterminação destes povos que residem na periferia. Dizer que vamos receber todos na Europa é como dizer que se vai acabar com a pobreza dando esmolas a mendigos. Isso vai funcionar com alguns que conseguem passar os muros, mas não vai resolver o problema estruturalmente. Os sindicatos europeus não podem ficar descansados porque quando há deslocalização se promete que não vai haver trabalho infantil. Têm que elevar a fasquia, têm que deixar de se reunir com os diretores das empresas e passar a reunir com os trabalhadores na Índia e combinar entre si formas de lutas comuns”, defende.

“Se necessário, e será, transferir parte do fundo de greve da Europa para auxiliar uma greve na Índia ou no Brasil”, prossegue Varela. “Lutar por quem está fora é lutar por quem está dentro. Isso sim é solidariedade e todos melhoram. O resto, livre circulação chamada de ‘direitos humanos’, é na verdade dumping e é por isso que a extrema-direita cresce na Europa. Porque os trabalhadores sentem a concorrência e só lhe dão duas alternativas: xenofobia ou livre circulação. Ambas implicam concorrência e não cooperação. Temos que mudar o paradigma. É fácil, estava nos estatutos da Associação Internacional dos Trabalhadores escritos em 1864: ajudar os nossos irmãos de fora para evitar a concorrência”.

 

Novas fontes de financiamento

Se se mantiver a atual taxa de natalidade em Portugal, a sustentabilidade da Segurança Social estará em risco a médio prazo? Nessa circunstância terão que ser encontradas formas alternativas ou complementares de financiamento do sistema de Segurança Social? “É outro mito”, responde Varela, autora de um outro livro intitulado precisamente como “A Segurança Social É Sustentável” (2013). “A sustentabilidade da Segurança Social depende em primeiro lugar da produtividade e dos salários, não do número de pessoas. Se um tipo ganha 500 euros, não desconta o suficiente para o que se reformou com dois mil euros. Mas isso é um problema de relações laborais, de salários e proteção no emprego, não de demografia. Com o avanço tecnológico, a produtividade é hoje cinco ou seis vezes superior à de há 40 anos. Uma pessoa hoje consegue por isso sustentar várias”, afirma.

Quanto a César das Neves, alerta que “a Segurança Social já está em risco a média prazo, mesmo que a taxa de natalidade suba. E a questão da Segurança Social resolve-se com reformas no funcionamento do sistema, como fizeram vários dos nossos parceiros. Se se mantiver a atual taxa de natalidade em Portugal, o problema é a sustentabilidade nacional, não a da Segurança Social. Mas ela não se vai poder manter tão baixa, porque nenhum país conseguiu manter níveis destes. Isto é uma fase, não um novo nível. Assim como desceu, subirá”.

Perante a mesma questão, Paes Mamede sublinha que “os riscos financeiros de médio prazo não são reduzidos com o aumento da natalidade, pelo contrário. É preciso encontrar novas fontes de financiamento para a Segurança Social”.

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