Notas breves

1. Demografia, um tema “não lembrado” na campanha eleitoral cujos resultados se apuraram no domingo, 30 de Janeiro, com o PS a obter uma vitória retumbante contra as expectativas das sondagens e alguma inquietação nos meios da esquerda não alinhada.

Só as projecções à boca das urnas admitiram este possível desfecho.

A população votou na boa gestão do Governo na Covid-19, valorizando a estabilidade. O País espera que, para além da gestão eficaz e eficiente do dia-a-dia, o novo Governo PS pense, lance e operacionalize linhas de um percurso estratégico de futuro, entre elas, a da Demografia.

Portugal bem precisa. E dispõe de meios financeiros avultados com os quais pode avançar para uma profunda transformação da sociedade portuguesa, que até a evolução expectável da Demografia impõe.

Certamente, pelas dificuldades em apontar soluções para a problemática da Demografia, todos os partidos fugiram à questão. Até parecia haver um conluio!

2. A Demografia, como conceito amplo, abarcando os movimentos de aumento ou de redução da população, bem como os fluxos dos grupos populacionais dentro da espécie humana, é, e vai ser ainda mais, uma questão maior, profunda e de futuro incerto e “negro” em Portugal, na Europa e no Mundo.

Ultrapassar este futuro “negro” exige um novo modelo, onde o desenvolvimento jamais possa assentar apenas no crescimento da população, como tem vindo a suceder desde a Revolução Industrial. O novo modelo tem de perspectivar a redução sucessiva e acentuada da população após atingir o pico de crescimento populacional [algures neste século, data (s) sobre que reina polémica] e o envelhecimento em curso das sociedades.

A Demografia é bem ou mais importante que a Transição Climática que, no entanto, tantas entidades e pessoas mobiliza. Estas duas forças globais, que se cruzam em muitos aspectos essenciais, vão e já estão a parametrizar e a determinar o futuro da Humanidade.

Alguns dados da evolução demográfica – século XX

3. Há quem refira que, no século XX, a Demografia mundial disparou de forma vertiginosa e os números dos serviços estatísticos demográficos da ONU confirmam.

O Planeta para atingir os primeiros mil milhões de habitantes levou cerca de 12 mil anos, ou seja, todo o período desde “a descoberta” da agricultura até aos anos de 1800 da nossa era (inícios da primeira revolução industrial). Em 1930, 130 anos depois, regista-se o segundo milhar de milhão de habitantes. De esse ano até ao final do século XX (1999), a população mundial é acrescentada em mais 4 mil milhões de habitantes, perfazendo, assim, os seis mil milhões, através de períodos de tempo cada vez mais curtos por cada mil milhão.

Estes ritmos diferenciados do crescimento da população mundial devem-se a múltiplos factores, melhores serviços de saúde, produção de novos medicamentos, redução da taxa de mortalidade, melhor nível de vida e consequente aumento da esperança de vida, embora desde os anos 1970 se assista ao declínio da taxa de fecundidade.

Em 1960, criou-se a ideia de que a população mundial ia crescer indefinidamente, tendo surgido alguns novos malthusianos, como o demógrafo americano Paul Elrlich, que alertou para “a fome massiva” no decorrer dos anos de 1980.

Na segunda metade do século XXI

4. A população mundial estimada para 2021 é de 7,8 mil milhões de pessoas. Isto significa que, nos dois primeiros decénios deste novo século, o ritmo de crescimento da população mundial pouco se alterou, embora acuse um lento decréscimo de ritmo que entre meados do século anterior e hoje passou de 2,05% para 1,1%.

As projecções para o período a partir de 2040/50 estão a gerar controvérsia, cimentando-se a ideia de que a tendência de crescimento da população mundial sustentada no cenário central da ONU (2019 – 7,7 milhares de milhões, 2050 – 9,7 e 2100 – 10,7 milhares de milhões) não incorpora algumas transformações em curso nas sociedades.

Desde logo, a taxa de fecundidade que, sendo muito variável por país, está a baixar mais repentinamente nos países em vias de desenvolvimento do que se esperava, a esperança de vida em recuo em países significativos como os EUA, desde 2012, devido à obesidade e ao consumo de drogas e a Covid-19, em geral, com impacto na diminuição do número de nascimentos, em que Portugal não foi excepção.

Produziram-se vários estudos/projecções de demografia para estes horizontes. A ONU tem tradição e excelente trabalho neste domínio e costuma actualizar os trabalhos todos os dois anos.

Estudos recentes como os da revista “The Lancet”, Universidade de Washington, Universidade de Viena vieram defender que o pico de crescimento da população mundial se dará antes de 2100, na década de 2060, embora não coincidindo todos no ano de início do declínio. Segundo os estudos, o pico ocorrerá em 2064/2070, com 9,3/ 9,7 mil milhões de habitantes, com a população mundial em 2100 a não ultrapassar 8,8 mil milhões, uma diferença significativa de dois milhares de milhões para o cenário central da ONU. Refira-se que a ONU no seu cenário baixo apresenta também um valor mais reduzido.

Independentemente dos valores destes estudos, há algo comum a todos. O reconhecimento do pico de crescimento da população com declínio a partir de uma data, pondo em causa a ideia reinante do crescimento contínuo do século XX.

Portugal a perder metade da sua população

Em todos os estudos são, em geral, os países mais desenvolvidos, os mais afectados na queda. Portugal não escapa e até no estudo da “Lancet”  aparece enquadrado num conjunto de mais de 20 países que verão a sua população reduzida de metade ou até mais no horizonte 2100.

Embora sem enumerar exaustivamente os países, o estudo realça o Japão, Coreia do Sul, Espanha, Itália, Portugal e Polónia, com perda de 50% da população no horizonte 2100. É assustador.

Salienta o mesmo estudo que a China, hoje com mais de 1,4 mil milhões de habitantes, passará para 730 milhões, enquanto a África subsariana triplicará a sua população, tornando-se a Nigéria o segundo país mais populoso do Planeta com 800 milhões de habitantes.

Revolução demográfica

O Mundo vai passar por uma transformação radical da sua Demografia nos próximos 40/50/60 anos, Revolução que porá em causa as estruturas sociais, organização dos Estados, segurança social, empresas, economia, cultura e sociedades no seu todo. Tudo isto merece muita reflexão e uma visão de futuro. Termino com uma provocação: para quê agir sobre as alterações climáticas, se não houver população a beneficiar das mudanças?!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.