Quase tudo foi dito sobre as eleições intercalares americanas. Deixo apenas algumas breves notas sobre os resultados, tentando olhar em frente.

Trump foi derrotado. Para quem tinha as duas câmaras do Congresso e perdeu a maioria naquela onde é iniciado o essencial do processo legislativo – a Câmara dos Representantes – é evidente que se tratou de uma derrota. Esse desaire foi, contudo, atenuado: Trump não perdeu o controlo do Senado, onde teve mesmo alguns ganhos marginais e cujos integrantes são eleitos por seis anos (sendo um terço do órgão renovado a cada dois anos), pelo que, ao contrário do que é vulgar acontecer, esta eleição intercalar não resultou no ressurgimento global de uma onda oposicionista. Trump sai enfraquecido mas não tanto como ele próprio temeria e os adversários e comentadores considerariam plausível que pudesse ter acontecido.

Trump reforçou assim bastante as suas possibilidades de ser reeleito em 2020. A América, que pareceu inicialmente aturdida com o seu estilo, não o rejeitou, conferiu-lhe um voto de reticente confiança. Quem elegeu Trump não parece, no essencial, descontente com ele. Eliminada a possibilidade de vir a ser afastado do cargo por um processo de impedimento de funções – dado que o Senado, que continua a dominar, teria sempre a última palavra sobre isso – o presidente pode, contudo, vir agora a ser sujeito a um desgaste político contínuo, se o processo de suspeição sobre as suas relações com a Rússia vier a manter-se.

Percebe-se que Trump vive aqui um dilema. Se optar por afastar o investigador especial que trata do tema, cuja curiosidade se tem alargado a temas para ele tabu, como as contas familiares, o presidente tem consciência de que vai agravar um campo de batalha, que os adversários não deixarão de explorar à saciedade, assumindo-o como uma implícita admissão de culpabilidade. Se o processo de inquirição se prolongar, em termos que sejam credíveis aos olhos dos cidadãos, e se, de facto, começar a ser evidente que há algum fogo por detrás do fumo, a imagem de Trump pode vir a sofrer, com consequências daqui a dois anos.

Mas há uma persistente ilusão que não pode deixar de ser evidenciada. O mundo exterior vive mobilizado contra Trump à luz da atitude de uma América liberal que não representa o país. A CNN, as graças de Stephen Colbert ou os artigos do New York Times ou do Washington Post podem parecer-nos faróis de meridiano bom-senso, mas não espelham um sentimento forte que se vive nos EUA – e que tem tudo menos a ver com isso.

Para esse juízo valorativo, que as eleições refletiram bem, conta essencialmente o sentimento, real ou potencial, de bem-estar económico, adubado por uma retórica de defesa do interesse nacional que cai como sopa no mel em setores de opinião pública que já estão conquistados para a ideia de que o mundo tem sido injusto para com os EUA, de que os estrangeiros ou quem vem de fora são culpados pelos seus problemas de insegurança (pública, de emprego, de competitividade económica) e que olham com esperança para um líder que não tem vergonha de expressar alto os seus pensamentos, por mais primários que estes sejam.

Os EUA saem deste período muito mais divididos do que estavam. Se os democratas vierem a ser culpabilizados, por Trump e no juízo público, por eventuais bloqueios ao funcionamento da administração nos próximos dois anos, através da sua nova posição na Câmara de Representantes, arriscam-se a poder vir a ser penalizados politicamente. Pirro, segundo a História, ganhou uma batalha por um preço tão elevado que, afinal, lhe poderia custar perder a guerra. Resta saber se, a contrario, esta derrota de Trump não pode, no fim de contas, ser o pano de fundo que pode vir a facilitar a sua reeleição.