A democracia tem sido vista, durante muitos anos, e por diversos quadrantes da sociedade portuguesa, como uma conquista e um avanço civilizacional pelo qual muitos portugueses e portuguesas batalharam e pugnaram. Mas, neste final de ano, e sem de forma alguma querer colocar em causa este legado, atrevo-me a perguntar se a maioria das franjas da nossa sociedade sente esta conquista como uma mais-valia ou uma ferramenta que os ajuda a viver verdadeiramente melhor no seu dia a dia?

Perante os mais diversos indicadores sociais, políticos, económicos, religiosos e éticos, não faltam as vozes mudas de esperança a clamar por uma reforma do estado das coisas que traga alento a uma sociedade que continua a empurrar para as margens homens e mulheres que sentem na pele os resultados discriminatórios duma política que traz a responsabilidade de manter um país inteiro para cima dos ombros duma classe média cada vez menor e mais sobrecarregada por impostos, que deveriam ser aliviados pelos cortes na gordura do Estado mas que, infelizmente, pela inoperância ou incapacidade de quem nos governa, vê esta mudança de paradigma sistematicamente adiada.

Acresce a falta de transparência e credibilidade política, com as constantes e graves falhas de Estado, a falta de responsabilização dos intervenientes públicos, económicos e políticos, a somar à elevada carga fiscal sobre os cidadãos, ao endividamento público e manipulação ideológica da saúde, da educação e da justiça, sectores vitais do Estado.

A verdade é que cerca de um milhão de portugueses vivem uma situação de precaridade laboral, número que tende a crescer na medida em que o vínculo instável com o emprego tem aumentado quase 10% ao ano, deixando muitos cidadãos empregados numa situação de insegurança e exposição à evolução da economia. A incerteza atinge também os salários, que além de diminuírem em termos reais devido à subida da inflação, da energia e taxa de juro, refletem também a mais recente discrepância pública e privada com salários diferenciados.

No que toca à economia, a OCDE prevê um abrandamento global, incluindo Portugal, com uma crescente dependência externa e uma dívida pública gigante – que, vai de recorde em recorde apesar da brutal carga fiscal – Portugal depende cada vez menos de si próprio. Ora, não terá chegado a hora de tentarmos fazer diferente para não cairmos na loucura de esperarmos resultados diferentes continuando a fazer tudo igual? É que a verdadeira crise do país tem a ver com o seu sistema político, e alterar o que é necessário é passar das palavras às soluções.

Talvez tenha chegado a hora de sermos audazes e descobrirmos novas fórmulas que permitam que se cumpra Portugal. Para que os portugueses possam acreditar mais nas instituições, na justiça, na equidade, na proporcionalidade e no equilíbrio do Estado Social, temos todos que fazer diferente. E pugnar por alterar, na nossa Democracia, o sistema eleitoral e o sistema político, para que possamos construir no futuro um país melhor, com uma economia mais robusta e uma sociedade que combata o fosso da desigualdade e da injustiça social, para uma democracia mais sã e duradoura.

O ano de 2023 que se inicia é uma grande dúvida e um enorme desafio. Os portugueses ainda não esqueceram os difíceis momentos da crise e da intervenção externa e, mais recentemente, da trágica pandemia. É pouco provável que voltem a perdoar anos de má governação e má liderança.

O Estado precisa de criar soluções para os desafios demográficos para evitar o agravamento das desigualdades sociais e a globalização desregulada, das alterações climáticas, da pobreza e da exclusão social. Sem perder de vista que todos estes problemas terão de ser trabalhados num ambiente de grande transformação digital.

Não faltam, pois, desafios para o nosso país, que terá de adotar um novo modelo de desenvolvimento económico e social, que passe inevitavelmente por libertar a economia, para criação de riqueza, reforçando os instrumentos regulatórios, sem pôr em causa a competitividade. Não haverá futuro sem que sejam criadas as melhores condições para uma sociedade civil criativa, empreendedora e inovadora, com um Estado forte e eficiente. Esta é a única forma de atingir o verdadeiro crescimento económico. O verdadeiro e aquele que todos merecemos em 2023. Bom ano!