Entre as muitas situações que colocam as mulheres numa posição de desvantagem em relação aos homens, a diferença salarial continua a ser uma das mais significativas (mesmo) nos países economicamente mais desenvolvidos. Na União Europeia (UE), em 2018, as mulheres ganhavam, por hora, menos 14% que os homens, ou seja, trabalhavam, em cada ano, quase dois meses de graça. Esta discriminação tem várias causas. Para além de, muitas vezes, ganharem objetivamente menos para as mesmas funções, o facto é que acedem menos aos lugares mais bem remunerados. Em Portugal, por exemplo, apenas 6% dos CEO são mulheres.

Algumas das razões que são por vezes invocadas – como que escolhem profissões menos bem pagas ou que são, em média, menos qualificadas – são puros mitos: relativamente à primeira é nas profissões mais qualificadas, e em particular no setor privado, que a diferença salarial horária é maior; quanto à segunda, cerca de 60% dos licenciados na UE (59% em Portugal) são mulheres.

A solução tem que passar por políticas públicas que ataquem o problema em três eixos distintos:

  • Criando as condições para que as mulheres acedam aos “lugares dos homens”;
  • Criando as condições para que os homens exerçam as “funções das mulheres”;
  • Criando condições para que a sociedade aceite ambas.

Debruçar-me-ei hoje, particularmente, sobre o primeiro eixo. Mas o segundo e terceiro são essenciais porque se não se mudar também o papel dos homens na sociedade e se não se criarem condições culturais para que a mudança seja aceite, a situação não se alterará. Estes aspetos serão matéria de um próximo artigo.

Comecemos então pela questão do acesso das mulheres aos “lugares dos homens”.

Para que as mulheres tenham acesso aos mesmos empregos, às mesmas profissões e ao mesmo nível de rendimento, para nivelar o terreno, é essencial optar por uma política de discriminação positiva e um bom instrumento para o fazer são as quotas. O caminho não é fácil porque uma sociedade culturalmente machista procurará estigmatizar o acesso das mulheres a determinadas posições, atribuindo-o não ao seu valor, mas às quotas. O fim do estigma far-se-á pela demonstração da qualidade no exercício das funções. Aliás, está vastamente documentado que a qualidade das decisões em órgãos de gestão aumenta com a diversidade e, por isso, quando as quotas impuserem essa diversidade, as empresas ou as organizações não quererão voltar a trás.

Caroline Criado Perez no livro “Invisible Women” conta, entre outros exemplos curiosos, o da orquestra Filarmónica de Nova Iorque. Até ao início da década de 70, e fora casos muito esporádicos, a orquestra era constituída por homens. A partir daí, tudo mudou: durante os 10 anos seguintes a percentagem de mulheres subiu para cerca de 10% até atingir, hoje, 45%. E porquê? Simplesmente porque as escolhas passaram a ser feitas em audições cegas. No momento em que tiramos a possibilidade, mais ou menos consciente, de preconceito a desigualdade cai.

O princípio das “audições cegas” e as políticas de discriminação positiva criarão as condições para que se torne óbvio que o fosso enorme entre géneros no acesso a determinadas funções (sobretudo de poder), é puro preconceito!