No momento em que escrevo não se sabe quem ganhou as eleições nos EUA. Mas, apesar de Biden liderar por 238 grandes eleitores contra 213 (270 dão a vitória), a coisa caminha no sentido da vitória de Trump, a menos que algo extraordinário aconteça – por exemplo, Biden ganhar em dois Estados que até agora têm tido Trump à frente nas votações. E como uma desgraça nunca vem só, a perspetiva do controlo do Senado pelos democratas está também a desaparecer.

Um indicador avançado – o mercado de títulos – já está a reverter os ganhos esperados com a eleição de Biden, a aposta até ontem. Wall Street estava em alta antecipando um forte pacote de medidas de apoio à economia de Biden, a “reflação”, sinal de mais crescimento e inflação e dólar fraco; agora é tempo de recalibrar estratégias (os investidores tinham assumidos posições longas nas commodities e curtas no dólar e nos títulos do Tesouro americano, na expectativa da reflação). À abertura dos mercados europeus na quarta-feira a libra perdia 1% contra o dólar e o FTSE caia 1,05%, o Dax 1,91%, o Cac 1,28%. Porém uma hora depois o FTSE ganhava 0,6%, o Cac 0,25% e o Dax tinha recuperado.

Em suma, mais volatilidade pela frente, e que vai durar enquanto o cenário de incerteza persistir com as ameaças de batalhas legais sobre os resultados eleitorais. Trump, no seu estilo, de madrugada já cantava vitória e avisava ir recorrer para o Supremo para parar a contagem dos votos por já ter ganho, além – claro – de se dizer vítima de fraude eleitoral.

Trump ganhou em todos os Estados core dos republicanos e, ganhando o Alasca, terá também feito o pleno daqueles em que se esperava uma vitória marginal sua (afinal, as vitórias não foram tão marginais). Faltando a Carolina do Norte e a Georgia, onde Trump lidera, ganhou os outros battle states, a começar pela Florida, onde a História poderá repetir-se: quem ganha a Florida, ganha as eleições. Biden irá aparentemente falhar as expectativas no Michigan e Wisconsin (aqui, a batalha está renhida), sendo também provável Filadélfia.

Poderia dizer-se que uma vitória de Trump, e com o controlo do Senado (ao dia de quarta-feira está 47-47, mas mesmo no caso remoto de um empate, o Vice-presidente – e Presidente do Senado – desempata), seria mais do mesmo. Mas como Trump é imprevisível, ninguém sabe o que é o mesmo. São boas notícias para Boris Johnson, que não se daria bem com Biden, que tem ascendência irlandesa e seria um multilateralista, para não dizer que Johnson é apontado como o Trump europeu (injustamente, ele é melhor), o que não o tornaria simpático aos olhos do americano. Agora, Trump teria as mãos livres; sendo o seu último mandato, nem o travão de querer ser reeleito terá.

Citando Bob Dylan, “a hard rain’s a-gonna fall”. Confesso que, depois de escrever este texto, nunca desejei tanto estar errado.