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Dia do Artigo 50: guia para acompanhar os próximos passos do Brexit

Chegou o dia 29 de março. O Reino Unido estreia esta quarta-feira o tão antecipado Artigo 50 e formaliza o pedido de saída da União Europeia. O Jornal Económico explica o que é, o que implica, o que se sabe e o que fica por negociar.
29 Março 2017, 07h05

1. O que é o Artigo 50 do Tratado de Lisboa?

“Qualquer Estado-Membro pode decidir, em conformidade com as respetivas normas constitucionais, retirar-se da União”. É assim que começa o Artigo 50 do Tratado de Lisboa, que oferece uma opção de saída caso algum país, como foi o caso do Reino Unido, decida abandonar a União Europeia (UE). O artigo foi assinado pelos Estados-membros em 2009, antes do qual não existia qualquer mecanismo que previsse a opção de um país deixar a UE.

Em cinco parágrafos, o artigo refere que um Estado-membro que queira deixar de o ser tem de notificar o Conselho Europeu e negociar, ao longo de dois anos, os termos. O acordo tem de ter em conta o quadro das futuras relações com a UE e tem de ser aprovado por uma “maioria qualificada”, ou seja que represente 72% dos restantes Estados e 65% da população. As partes podem chegar a acordo antes do fim do período de dois anos, mas há também a possibilidade das negociações serem prolongadas.

2. O que significa acionar o Artigo 50?

Na madrugada de dia 24 de junho, o mundo soube que o Reino Unido tinha votado, num referendo, abandonar a União Europeia. No entanto, só passados nove meses é que o pedido vai ser formalizado. Após suceder David Cameron em 10 Downing Street, May só em dezembro anunciou as 12 prioridades do Reino Unido para as negociações. Após isso, teve de obter a aprovação da Câmara dos Comuns, da Cãmara de Lordes (que impôs algumas alterações) e o aval formal da Rainha Isabel II.

Na semana passada o Governo britânico anunciou para esta quarta-feira o acionar do Artigo 50, através de uma carta assinada por May e entregue ao presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk em Bruxelas.

3. Quais os próximos passos do processo?

Após a notificação que o Reino Unido ativou formalmente o Artigo 50, a União Europeia tem de estipular as diretrizes que irão guiar as negociações. Donald Tusk já afirmou que a instituição europeia dará uma resposta sobre as linhas orientadoras nas 48 horas após receber a notificação da ativação do artigo. Contudo, as diretrizes têm de ser aprovadas pelos restantes Estados-membros da União, sem contar com o Reino Unido.

A próxima data importante é 29 de abril, quando os 27 líderes se reunir numa cimeira. Nessa altura, o tema serão as recomendações a adotar e os países vão mandatar oficialmente um representante da Comissão Europeia para liderar a discussão.

4. Quem é que vai negociar?

“O Conselho autorizará a abertura das negociações e adotará formalmente o mandato para o negociador da União Europeia, Michel Barnier”, anunciou a porta-voz do Conselho Europeu, Margaritis Schinas, na segunda-feira. Barnier, um ex-ministro francês de 65 anos, vai liderar a equipa de negociadores. Já do Reino Unido, a responsabilidade recai sobre a primeira-ministra com a ajuda do Department for Exiting the European Union, que é liderado pelo secretário de Estado, David Davis.

5. Quais são os temas a negociar?

Ainda não há uma lista concreta dos temas a negociar, mas em janeiro, Theresa May explicou aos britânicos que pretende um acordo rápido e que garanta os direitos dos cidadãos. O comércio é, no entanto, um tema incontornável. Esta é uma das maiores incógnitas das negociações, mas sabe-se que May quer estabelecer um acordo de livre comércio com a UE, apesar de sair do mercado comum.

A recuperação do controlo das fronteiras é outra das prioridades da primeira-ministra, que quer continuar a contar com a cooperação da UE em política internacional e na luta contra o terrorismo. Além disso, May quer também manter a fronteira terrestre com a União Europeia, através da Irlanda, com o acordo do Espaço Comum de Deslocação. A incerteza aumenta ainda mais quando o tema é emigração, especialmente depois de a Câmara dos Comuns ter chumbado a proposta para garantir os direitos dos trabalhadores europeus no Reino Unido.

6. Quais são os cenários possíveis?

O Brexit pode ser conduzido de duas formas: soft ou hard. No entanto, a primeira opção já é muito improvável dado que o discurso de May em dezembro foi visto universalmente como uma escolha pelo hard Brexit. O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, classificou como “muito, muito, muito difíceis” as negociações que se avizinham.

O economista especializado em assuntos europeus, Azad Zangana, da Schroders, explica que “ambos os lados estão a ficar sem tempo e o Reino Unido terá de abdicar de algumas condições”.

Considerando que terão de haver cedências de ambas as partes e que o Reino Unido não abdica do controlo das fronteiras, o cenário em que um acordo seja alcançado com rapidez só deverá ser possível se Londres aceitar termos menos vantajosos no que diz respeito às trocas comerciais. Falhando isso, as negociações podem arrastar-se sem que haja consenso e, nesse caso, os Estados-membros terão de aprovar unanimemente uma extensão do prazo além dos dois anos estabelecidos.

Há ainda um terceiro cenário, muito pouco provável, que consiste no Reino Unido mudar de ideias e desistir do Brexit. Não há consenso sobre se é possível ou não, até porque o Artigo 50 nunca tinha sido acionado. “Se um país decidir que, afinal, não quer sair de todo, toda a gente ficaria chateada por andar a desperdiçar tempo”, mas a decisão “não é irrevogável”, disse o juiz Lord Kerr, autor do artigo do Tratado. De qualquer forma, este seria um cenário extremo em que Theresa May tivesse deixado de ser primeira-ministra e se realizasse um segundo referendo no país.

7. O que pode dificultar as negociações?

O Reino de Isabel II está muito pouco Unido. O Parlamento escocês decidiu esta terça-feira pedir a Londres poderes para fazer um novo referendo sobre a independência do país exatamente porque não quer abandonar a UE. “A Irlanda também será um problema e haverá provavelmente uma situação de excepção para a Irlanda do Norte”, acrescentou o economista Azad Zangana.

Fora do Reino Unido, há ainda outras questões que podem atrasar as negociações. As eleições francesas, com a primeira volta marcada para dia 23 de abril e a segunda a 7 de maio, e as eleições alemãs de 24 de setembro podem afetar o processo. É pouco provável que as negociações avancem em domínios concretos, sem o cenário político do eixo Paris-Berlim estar claro. Caso as negociações se arrastem poderão também ser impactadas pelas eleições para o Parlamento Europeu de junho de 2019.

8. Qual será o impacto da ativação do artigo 50?

Independentemente de as negociações durarem apenas os dois anos ou mais tempo, tanto o Reino Unido como os Estados-membros irão ter de lidar com as consequências da decisão nos próximos anos. “O crescimento económico do Reino Unido vai depender em larga medida dos detalhes das negociações e do que aí vem”, disse Zangana, acrescentando que “há muita incerteza”. A Schroders reviu em baixa a previsão de crescimento económico no Reino Unido a longo prazo, em parte devido ao fraco investimento doméstico.

“Um hard Brexit pode também resultar num crescimento mais lento do que esperado. Outra preocupação é o impacto da incerteza política que vai criar mais desafios para Banco de Inglaterra devido à inflação e à volatilidade da libra”, acrescentou o economista. “Não podemos desvalorizar o risco da depreciação da libra”. O Banco de Inglaterra também já avisou que não vai ser fácil para a banca ultrapassar o Brexit e que vão ter de passar testes de stress mais rigorosos.

Günter Oettinger, membro do Comité de Orçamento da União Europeia, levantou a hipótese de o Reino Unido poderá ter de pagar 60 mil milhões de euros pelo Brexit, um valor relacionado com incumprimento de compromissos orçamentais, ou seja, uma espécie de multa pelo buraco deixado nas contas europeias. O abandono do Reino Unido do projeto europeu também acarreta riscos para o futuro da união. Caso seja bem sucedido, pode abrir o precedente e levar a outras saídas. Em Bruxelas, há receios de um ‘efeito contágio’ e preocupações crescentes com a estabilidade da zona euro.

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