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Dívidas/Moçambique: ‘Dívida oculta’ é menos de 20%, mas custa metade do total

A ‘dívida oculta’ de Moçambique, no valor de 2,2 mil milhões de dólares, representa metade do custo total do país com as dívidas, apesar de valer menos de 20% do total em termos absolutos.
5 Janeiro 2019, 14h49

A ‘dívida oculta’ é a expressão utilizada para denominar os empréstimos feitos no princípio desta década a três empresas públicas: a Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM), a Mozambique Asset Management (MAM) e a ProIndicus, três entidades tuteladas pelo Ministério da Defesa e que apresentaram projetos de segurança marítima, usando o Credit Suisse e o VTB como os parceiros financeiros.

Estes dois bancos emprestaram 622 milhões de dólares à ProIndicus e mais cerca de 500 milhões à MAM em 2013 e 2014, a que se juntam mais 727,5 milhões de dólares que foram emitidos pelo Estado como resultado da reconversão das obrigações que a EMATUM lançou no mercado.

É a soma destes dois empréstimos e da emissão de dívida que constitui o chamado pacote das dívidas ocultas, porque os dois empréstimos à MAM e ProIndicus foram contraídos pela administração das empresas com o aval do Estado, alegadamente assinado pelo antigo ministro das Finanças, Manuel Chang, agora detido na África do Sul.

A investigação sobre o destino das verbas foi desencadeada pelos procuradores nova-iorquinos do Ministério da Justiça dos Estados Unidos, e levou também à detenção de três antigos banqueiros do Credit Suisse, em Londres, e de um intermediário libanês da Privinvest, no aeroporto de Nova Iorque.

Os empréstimos às duas empresas públicas são considerados ilegais, na medida em que nem tiveram a chancela da Procuradoria-Geral da República nem foram validados pelo Parlamento, algo que a lei moçambicana exigia.

Há quem defenda que a responsabilidade do pagamento recai sobre os bancos, que não fizeram as devidas investigações (‘due dilligence‘) sobre a capacidade financeira destas empresas públicas para honrar os compromissos, mas a Acusação deixou cair essa suspeita, já que foram os arguidos que não cumpriram os pedidos de transparência nem as normas internacionais na atribuição destes empréstimos.

Apesar disso, os empréstimos são considerados válidos porque foram garantidos pelo Estado e, assim, devem ser pagos por Moçambique, ainda que sujeitos a uma reestruturação devido às dificuldades financeiras do país.

O valor de 2,2 mil milhões de dólares, por si só, não seria suficiente para fazer Moçambique cair num incumprimento financeiro (‘default‘), já que representa menos de 20% do total das dívidas, mas é metade do custo de servir essa dívida devido à diferença de juros entre estes empréstimos e os empréstimos concessionais de que o país beneficia ao abrigo do estatuto de país de baixo rendimento.

A contração de empréstimos sem o conhecimento dos credores e doadores internacionais, como o Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional ou países terceiros fez com que Moçambique se visse a braços com um corte na ajuda financeira externa e uma desvalorização da moeda num contexto de descida do preço das matérias-primas e de vários anos de condições climatéricas adversas para a agricultura, o que, tudo somado, desequilibrou as contas públicas.

Neste contexto, a dívida de Moçambique, que chegou a valer mais do que o total do PIB do país nos últimos anos, é considerada ‘insustentável’ à luz de cinco critérios usados pelo FMI e Banco Mundial para avaliar a capacidade financeira de um país, o que o impede automaticamente de receber financiamento dessas entidades multilaterais e, por arrasto, de outras como o Banco Africano de Desenvolvimento, que reduziu a ajuda ao país no seguimento da descoberta destes empréstimos, noticiados pelo “Wall Street Journal” em abril de 2016.

As agências de ‘rating‘ foram descendo sucessivamente a opinião sobre a qualidade do crédito soberano até atirar o país para ‘lixo’, antes mesmo de Moçambique falhar oficialmente o pagamento da primeira prestação sobre a emissão de dívida soberana no valor de 727,5 milhões de dólares, em janeiro de 2017, o que, na prática, impediu o Governo de aceder aos mercados financeiros internacionais.

Desde então, Moçambique tem privilegiado nas negociações para a reestruturação da dívida os detentores dos títulos de dívida soberana, deixando para segundo plano os credores comerciais, ou seja, os investidores que, através do Credit Suisse e do banco russo VTB, emprestaram mais de 1,4 mil milhões de dólares à MAM e ProIndicus.

Em Novembro, o Ministério das Finanças anunciou um acordo preliminar com 60% do detentores dos títulos da dívida pública, segundo o qual o país retoma os pagamentos já em março e entrega até 2033 uma fatia de 5% das receitas fiscais do gás natural, cuja exploração arranca em 2022.

Estes títulos representam quase 730 milhões de dólares do total de mais de dois mil milhões de dólares de dívidas ocultas contraídas ilegalmente pelo Estado em 2013 e 2014 e são a única parcela sobre a qual há um acordo preliminar, sujeito ainda a diversas aprovações.

Os novos títulos terão um valor nominal de 900 milhões de dólares, com maturidade a 30 de setembro de 2033 e um cupão de 5,875%, mais baixo do que o atual, de 10,5%, e sobre o qual Moçambique entrou em incumprimento.

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