Costumo dizer a brincar que a maior parte da oferta televisiva ou cinematográfica está focada em adolescentes e jovens adultos a iniciarem-se nas agruras da vida, ou em personagens que já têm filhos emancipados e enfrentam alguma crise existencial nas suas vidas. No meio existe um vazio. Como se aquela idade em que já não somos considerados jovens, mas também ainda não atingimos a meia-idade não existisse.

Foi por essa razão  que, quando comecei a ver “Fleishman in Trouble”, não me ocorreu que estaria à frente da série que, pela primeira vez, está a ecoar a jornada de transição da minha geração. A geração que nasceu e cresceu com a promessa de um mundo melhor, com tantas aspirações, apenas para ser confrontada com um fracasso tremendo, sucumbindo a inúmeras crises. Pior, coube a essa geração tentar encontrar soluções para um mundo fraturado, polarizado e doente.

A série dramatiza as vidas emocionais de personagens que tiveram a possibilidade de concretizar o percurso tradicional esperado pela sociedade: as viagens e amizades decisivas no tempo da universidade, relações, casamento, carreira e filhos. Ao longo do caminho ficou a sensação de uma perda. Não necessariamente uma perda da juventude, mas da ilusão de que muitas das coisas que tinham desejado, tinham sido deixadas para trás ou tinham agora um sabor a cinzas.

É na reta final que a série ganha uma enorme sensibilidade, ao transitar para a perspetiva das mulheres. A esposa que, inesperadamente, cede a um esgotamento nervoso, devido a um acumular de situações mal resolvidas que atingem o pico quando se vê sozinha pela primeira vez. A amiga que tinha tantas aspirações literárias e que agora se interroga, ao deambular pelas ruas, onde foram parar todos os seus sonhos. Quando é que se tornou este fantasma que rumina e a desaparece lentamente?

A crise dos millennials que agora chegam aos 40 anos é tão real como qualquer outra, embora possa não parecer tão apelativa em termos ficcionais. Na verdade, até pode parecer privilegiada aos olhos de gerações mais jovens, que não tiveram a oportunidade de viver em tempos menos atribulados. Estamos aprisionados num estranho limbo em que ninguém quer realmente saber o que nos aconteceu porque fica a ideia de que  escapámos ilesos. Mas isso é só na aparência.

Na realidade, há alguma nostalgia por um tempo que parecia cheio de promessas, embora a pressão social para nos conformarmos com rituais há muito estabelecidos pelos nossos pais e avós seja muito difícil de ignorar. Não se questionava o que queríamos fazer das nossas vidas, a não ser em termos de emprego. Não se colocava a hipótese de termos de mudar constantemente ou de nos adaptarmos. A escolha que fazíamos na fase inicial das nossas vidas, trazia consigo a esperança de que essa escolha se cumprisse por  longos anos. Tudo o que veio depois destruiu esta falsa sensação de segurança. E, no seu lugar, surgiu uma ansiedade que cresceu muitas vezes até se transformar em angústia.

Foi bom ver, pela primeira vez, a encruzilhada da minha geração abordada numa série televisiva, i.e., o facto de já não sermos jovens mas ainda nos sentirmos jovens, apesar de a sociedade nos dizer o contrário. Se há algo positivo que se pode extrair deste mundo novo, diferente do mundo em que crescemos, é que há uma maior sensibilização para não enveredarmos pelo conformismo. É mais fácil aceitar que há outras alternativas para além daquilo que nos foi ensinado. Pena ter sido tão duro aprender essa lição.