No dia 26 de Setembro de 2019 assinalaram-se os dois anos da tomada de posse de João Lourenço como Presidente da República (PR) de Angola, o terceiro presidente da História de Angola. Acabando por suceder a José Eduardo dos Santos, 38 anos depois, mas assegurando a manutenção do MPLA no poder.

A chegada ao poder de João Lourenço ficou marcada, numa fase inicial, pela situação de bicefalia de poder, porque a presidência do MPLA estava com José Eduardo dos Santos que, desta forma, comandava o poder legislativo. Por sua vez, João Lourenço detinha o poder executivo, mas não liderava o partido, não exercendo uma influência directa sobre os deputados do MPLA. Durante este período havia dois pólos de poder e duas perspectivas de liderança em Angola. Somente com a saída de José Eduardo dos Santos da liderança do partido foi possível consagrar uma situação de hegemonia favorável a João Lourenço, que passou a concentrar o poder executivo e a liderança do partido.

Ao longo deste processo estávamos em presença de uma sucessão política, cujo nível de mudança institucional é menor do que numa situação de transformação política. A sucessão política envolve, sobretudo, uma mudança de estilo de fazer política e está muitas vezes associada à personalidade do novo líder.

É, de facto, no estilo de fazer política que se nota uma diferença significativa entre João Lourenço e José Eduardo dos Santos, referidamente na comunicação política. Por exemplo, nestes dois anos, João Lourenço já concedeu entrevistas individuais a Gustavo Costa, do Jornal Expresso, em véspera da visita oficial a Portugal, a Victor Gonçalves, da RTP, em véspera da visita oficial do Presidente Marcelo a Angola, a Nok Nogueira, do Novo Jornal, a Luís Caetano, da TPA e a Michel Santos, da Euronews. Permitiu, ainda, a realização, até ao momento, de duas entrevistas colectivas, em 2017 e em 2018, destinadas aos órgãos de imprensa nacional e internacional, onde cada jornalista teve a possibilidade de colocar uma questão sobre a sua governação.

No âmbito da comunicação política, promoveu encontros abertos com os representantes das comunidades locais nas suas visitas fora de Luanda, acedendo, mesmo, a ser questionado publicamente acerca dos vários assuntos da governação com a presença da imprensa. Por exemplo, ao longo destes dois anos de mandato, João Lourenço já visitou (a par de Luanda) doze províncias das dezoito angolanas. Além disso, reuniu o seu Conselho de Ministros em Cabinda (Novembro de 2017), na Lunda Norte (Março de 2018), na Huíla (Julho de 2018) e no Uíge (Agosto de 2018), procurando estabelecer um modelo de governação descentralizada.

Nesta senda, o Presidente institucionalizou o Conselho de Governação Local (CGL) através do Decreto Legislativo Presidencial n.º 37/17, de 13 de Outubro de 2017. Um órgão colegial de auxílio ao PR (composto pelo Vice-Presidente da República, pelos Ministros de Estado e Ministros, Governadores Provinciais, Secretários Presidenciais e outras entidades) para formulação e acompanhamento das políticas de governação e administração do Estado a nível local. Porém, este órgão só arrancou quase dois anos depois, com a realização da primeira reunião em Malanje, no dia 21 de Maio de 2019.

A comunicação política da presidência de João Lourenço tem procurado, de forma bastante eficiente, construir a imagem de um líder político preocupado e com vontade de alterar o statu quo da situação económica e social do país (por exemplo, em 2019, visitou, por algumas horas, o Namibe e o Cunene por causa da situação de seca no sul de Angola). Por isso, é visto actualmente como o mais relevante e importante actor político do sistema político angolano.

Este protagonismo político de João Lourenço pode ser explicado pela forma como José Eduardo dos Santos deixou o poder. José Eduardo dos Santos acabou por ser reconhecido, por alguns angolanos, pela conquista da paz e da reconciliação nacional, mas, também, pela má gestão e pelos actos de corrupção. A privação das liberdades fundamentais e a violação dos direitos humanos foram, igualmente, uma constante na sua gestão, com realce para prisões arbitrárias de jornalistas e detenções e mortes de activistas.

Outro aspecto favorável à boa imagem de João Lourenço no sistema político angolano resulta do facto de os líderes da oposição africanos se eternizarem, tendencialmente, na liderança dos seus partidos. Ou seja, a oposição combate os regimes autoritários, mas os seus líderes desenvolvem a mesma matriz autoritária. A situação do actual líder da UNITA, Isaías Samakuva, que lidera o maior partido da oposição desde 2003, é ilustrativa deste fenómeno. Ainda assim, apenas na fase de campanha para as eleições de 2017, acabou por prometer que iria colocar o seu lugar à disposição em caso de derrota. No entanto, volvidos quase dois anos, ainda não cumpriu com a sua promessa, impossibilitando, desta forma, a ascensão de outras figuras da UNITA, nomeadamente Adalberto da Costa Júnior (líder parlamentar) e Raul Danda (Vice-Presidente), que são mais eficientes na comunicação política e poderiam dar outra dinâmica à oposição.

Um passado muito presente na equipa ministerial de João Lourenço

Nestes dois anos, o Presidente João Lourenço tem procurado apresentar um discurso de mudança e de ruptura política com as más práticas políticas do passado recente. Nesta senda, acabou por qualificar um grupo de dirigentes e empresários com ligações ao Estado como marimbondos, devido ao processo de enriquecimento ilícito à custa do empobrecimento geral da população angolana. Esta postura foi uma clara demarcação e distanciamento do eduardismo. Contudo, este distanciamento torna-se questionável pela composição da sua equipa ministerial, porque muitos dos actuais ministros são figuras com fortes ligações ao executivo anterior.

Em 2017, o Presidente João Lourenço decidiu reconduzir cerca de onze ministros de José Eduardo dos Santos (35,48% dos seus ministros), nomeadamente Ângelo Tavares (Ministro do Interior), Augusto Tomás (Transportes), Archer Mangueira (Finanças), Bernarda da Silva (Indústria), Cândida Teixeira (ex-ministra da Ciência e Tecnologia e actual da Educação), Carolina Cerqueira (Cultura), Francisco Queiroz (ex-ministro da Geologia e Minas e actual da Justiça e Direitos Humanos), Baptista Borges (Energia e Águas), José Carvalho da Rocha (Telecomunicações e Tecnologias de Informação), Marcos Nhunga (Agricultura e Florestas) e Victória Neto (Família e Promoção da Mulher).

Promoveu, ainda, cinco antigos secretários de Estado do anterior Executivo à categoria de ministros (16,12% dos actuais ministros), precisamente Adão de Almeida (Administração do Território e Reforma do Estado), Ana Paula Sacramento Neto (Juventude e Desportos), Ângela Bragança (Hotelaria e Turismo), Manuel Augusto (Relações Exteriores) e Salviano Sequeira (Defesa).

Com base na amostra anterior a existência de uma forte ligação política, entre a composição ministerial presente e a passada, não constitui nenhuma novidade porque até o próprio João Lourenço foi o último ministro da Defesa de José Eduardo dos Santos. Por isso, a mensagem política de mudança, propagada por João Lourenço, torna-se questionável devido à forte presença de ministros associados à má gestão governamental. Por exemplo, duas figuras nomeadas pelo actual Presidente, nomeadamente Augusto Tomás (ministro dos Transportes) e Carlos Panzo (secretário para os Assuntos Económicos), foram exoneradas devido a investigações judiciais, o que denota que um combate à corrupção sério afectará figuras governamentais actuais.

Seria, pois, aconselhável que João Lourenço seguisse o adágio popular que diz: “à mulher de César não basta ser, deve parecer honesta”. Com base nesse princípio, o PR já poderia ter promovido uma remodelação ministerial. No entanto, até ao ensejo, só nomeou oito novos ministros, pelo que persiste um forte risco político e de imagem pública que coloca em causa a autoridade política e moral de alguns ministros para a implementação de certas reformas políticas, tributárias e económicas.

Notou-se, claramente, a incapacidade política do Executivo para implementar o IVA na altura prevista, por causa da forte contestação dos sectores empresarial e social que antevêem uma subida dos preços, com impacto directo na vida dos cidadãos. Já antes a questão da criação das autarquias tinha merecido forte oposição partidária e social pelo facto de o Executivo defender uma implementação faseada em vez de uma implementação em todo país, um assunto que será tratado no próximo ano parlamentar.

Agora está em cima da mesa a questão da privatização de várias empresas públicas, que já mereceu, igualmente, alguma contestação social e política, ao ponto de a última reunião do Bureau Político do próprio MPLA recomendar atenção ao aspecto da soberania económica no decurso deste processo. Esta manifestação do partido do Presidente demonstra bem o receio eleitoral existente. Tem-se verificado uma tendência decrescente dos resultados eleitorais do MPLA desde 2008, quando elegeram cerca de 191 deputados, passando para 175 em 2012, e apenas 134 em 2017. Prevalecendo essa tendência eleitoral (perda de 19 deputados, em média, por cada acto eleitoral) deixará de existir na Assembleia Nacional uma maioria qualificada do MPLA, essencial para aprovar uma revisão da Constituição e diplomas de carácter reforçado.

Os caminhos futuros para João Lourenço

Ao longo destes dois anos há uma clara tentativa de construção de uma governação “não surda”, como frisou o Presidente João Lourenço no discurso de encerramento do Congresso Extraordinário do MPLA, em relação à questão do IVA. Persistindo, ainda assim, uma contradição entre o espírito de mudança e os actores dessa transformação, porque muitos são os rostos do passado de má gestão, o que acarreta um risco de forte desgaste e descrédito da imagem do Executivo. Principalmente quando foi o próprio PR que qualificou certas personalidades como marimbondos, permitindo que qualquer cidadão se sinta legitimado a contestar a actuação de tais sujeitos, por causa dos danos sociais e económicos que afectam o povo.

É, de facto, nas questões sociais e económicas onde se situam os maiores desafios da gestão de João Lourenço, porque a economia angolana apresentou um comportamento económico recessivo de 2016 a 2018, com taxas de crescimento de 2,6%, 0,1% e 1,1%, como consta do relatório do Ministério das Finanças sobre a Estratégia de Endividamento de Médio Prazo (2019-2021). Sem um crescimento económico significativo não se poderá assistir a um aumento da riqueza e de criação de novos postos de trabalho, ficando, deste modo, comprometida a promessa eleitoral do MPLA de criação de quinhentos mil postos de trabalho.

Eleva-se, pois, o risco de afirmação de um sentimento de descrença e de desconfiança relativamente à presidência de João Lourenço. Por isso, cabe ao PR reinventar-se e mudar a sua equipa para gerir as elevadas expectativas colocadas sobre si e encontrar um caminho para resolver os problemas sociais e económicos que se agudizam.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.