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“É absolutamente trágico. Os jogadores já estão noutro lado, mas Jesus tem 7,8 milhões de razões para ficar”

Bruno de Carvalho parece já não ter condições para liderar o Sporting. Alegado esquema de corrupção desportiva, demissão dos órgão sociais, risco de perder patrocinadores e ativos em risco colocam o clube a um passo do colapso. Luís Vilar, vice-diretor da Faculdade de Ciências da Saúde e do Desporto da Universidade Europeia, analisa a situação ao Jornal Económico.
  • Rafael Marchante/Reuters
18 Maio 2018, 12h42

O Sporting vive uma crise profunda que coloca em causa a sobrevivência do clube. O terceiro lugar no campeonato nacional retirou os milhões da Liga dos Campeões a Bruno de Carvalho e ao plantel. O ataque à Academia de Alcochete na passada terça-feira, juntamente com o alegado esquema de corrupção desportiva, precipitaram uma escalada de acontecimentos que podem culminar com a saída de grande parte dos jogadores.

Em entrevista ao Jornal Económico, Luís Vilar fala do presente e principalmente daquilo que poderá reservar o futuro do clube de Alvalade. Os danos financeiros e desportivos, a situação de Jorge Jesus e os possíveis candidatos a futuras eleições.

Qual é o impacto que tem nos jogadores do Sporting os acontecimentos na Academia de Alcochete?

Os impactos são tremendos. Podemos medi-los no ponto de vista desportivo, jurídico, da marca (Sporting), financeiro e até do ponto vista cultural e de entidade histórica. Acho que o mais simples até é o do ponto de vista desportivo, porque nas semanas anteriores aos jogos grandes, importantes o que se quer é calma, é retiro, concentração, é foco.

E o que está acontecer é exatamente o contrário. Os jogadores não estão em retiro, não estão a refletir sobre o jogo, não vão entrar no jogo concentrados, vão fazer um esforço tremendo para jogar. As coisas até podem correr bem, mas se começarem a correr os jogadores não vão encontrar a união necessária para darem a volta.

No ponto de vista da marca é tremendo. Porque imagine o que é, daqueles 50 adeptos que entraram por Alcochete com as caras tapadas e bastões na mão, com a camisola do Sporting na frente com o logo a dizer NOS. O que as pessoas associam quando há fenómenos de patrocínios é sentimentos, portanto o sentimento de ser sportinguista, associá-lo à marca NOS e com os demais patrocinadores acontece isso. Agora o sentimento de ser sportinguista não é nada disto que está a vir ao de cima, e a NOS e os demais não vão querer associar-se e não percebo que personalidade quer neste momento associar-se ao Sporting.

Porque repare o Sporting tem feito um esforço tremendo para chegar mais de perto ao Cristiano Ronaldo, que já aparece com o filho a jogar com a camisola do Sporting em casa, o fenómeno do Fábio Coentrão ter vindo para Alvalade é muito importante, porque o Fábio Coentrão e o Cristiano Ronaldo têm uma relação muito próxima. Era uma forma de potenciar a marca e funcionou ao contrário, hoje o Cristiano Ronaldo não quer saber do Sporting e vai-se afastar do Sporting. Podia explorar-se essa imagem com o Figo, mas o Figo também não vai querer ter nada a ver com o Sporting, portanto do ponto de vista da marca é trágico.

E o lado financeiro como é que fica nesta situação?

Se analisarmos a estrutura financeira do Sporting vamos perceber que o Sporting tem um ativo de 340/350 milhões de euros. No último relatório de contas o Sporting reafirma que reaveu os Valores Mobiliários Obrigatoriamente Convertíveis (VMOCS), mas se não considerarmos ainda essa questão, o plantel está avaliado pelo “Transfermarkt” em 202,5 milhões de euros e destes 202,5 milhões de euros eu diria e sem grande base, que 95% deste valor está assente em 9/10 jogadores de maior relevo.

Se estes 9/10 jogadores rescindirem com justa causa e do ponto de vista juridico o presidente do sindicato de jogadores, Joaquim Evangelista, já deixou muito claro que há justa causa para a rescisão unilateral dos contratos desportivos, o Sporting perde o passe dos jogadores que é o maior ativo intangivel do Sporting. Isto é, dos 340/350 milhões de ativos o Sporting perde 60%. Nós sabemos que a estrutura de alavancamento financeiro de qualquer empresa pode ser medido entre aquilo que é o capital alheio a dividir pela estrutura de ativo, ou seja quanto é que eu devo face ao que eu tenho e o Sporting anda ali nos 95%.

Isto é, com um ativo de 350 milhões de euros, deve cerca de 95%, ou seja 95% desses 350 milhões de euros são capital alheio. O que está aqui em questão é que o Sporting perde património na ordem dos 60%. O Sporting vai perder se estes jogadores rescindirem, 60% desse ativo e o que acontece é que o capital alheio passa a ser superior ao ativo e isto é a falência técnica do clube. O Sporting tem uma dívida de 110% daquilo que vale em termos de ativo , se estes jogadores saírem eu diria que a dívida do Sporting iria ficar a 190%. Repare quando Portugal pede ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI), é porque o Produto Interno Bruto (PIB) é inferior à dívida e isso é o que poderá vir acontecer com o Sporting, ou seja do ponto de vista financeiro é trágico e vai levar muitos anos ao Sporting a recuperar, isto claro se os jogadores decidirem a rescisão unilateral do contrato.

Quais são as probabilidades de isso acontecer?

Eu diria que com os jogadores estrangeiros menos identificados com a cultura e com a identidade do “ser Sporting” que não tenham passado na formação e tenham menos anos de casa, eu diria que foi terça-feira. Os jogadores já estão noutro lado. Bas Dost, o próprio Bruno Fernandes que é português, mas não tem a identidade Sporting, o Acuña, o Battaglia estão fora.

Depois resta saber até que ponto estes jogadores mais identificados com o Sporting, estamos a falar de Rui Patrício, William Carvalho e Gelson Martins, até que ponto é que eles não irão também seguir este caminho. E eu acho que vão seguir este caminho, porque já não há mais tolerância para o que aconteceu. Portanto, o Sporting mesmo que os jogadores não rescindam os contratos unilateralmente perdeu average negocial.

Na semana passada o Bruno Fernandes valia 60 milhões de euros, hoje qualquer clube que estivesse disposto a dar os 60 milhões só vai dar 40 milhões. Porque existe uma pressão muito forte no lado do jogador para sair do Sporting, ou seja o Sporting mesmo não rescindindo o ativo baixou, porque o average negocial está completamente no lado do comprador e não do vendedor. E as pessoas pensam ok estamos a falar de finanças, mas o que eu quero é ganhar.

A variável número um que se co-relaciona diretamente com o resultado desportivo é o orçamento. Basta nós pegarmos nos 18 clubes e alinharmos do maior para o menor em termos de orçamento e compararmos com a classificação do campeonato, vamos ver que é mais ou menos a mesma coisa. O clube com maior orçamento é o Sporting, mas está perto de Benfica e Porto, logo a seguir é o Sporting de Braga, está perto, mas não chega aos “três grandes”. A seguir andam ali Desportivo de Chaves, Vitória de Guimarães e Rio Ave e depois todos os demais. Portanto, volto a dizer que isto que aconteceu ao Sporting do ponto de vista financeiro e da reputação da marca é absolutamente trágico.

Acha que a única hipótese de os jogadores não rescindirem passa pela saída de Bruno de Carvalho?

Muito sinceramente acho que já passou esse tempo. Há jogadores que já tomaram a decisão de sair, independentemente daquilo que venha acontecer daqui para a frente, acho que é irreversível. Agora volto a dizer aqueles jogadores com maior identidade de Sporting, com maior cultura e que também tenham menos mercado, porque isto depois entra a lei da oferta e da procura e as decisões baseiam-se também na lei do mercado e esses jogadores que tenham menos mercado podem ficar.

Aqueles seis, sete, oito jogadores que representam 90% deste ativo de valor de plantel, estamos a falar de Gelson Martins, Rui Patrício, William Carvalho, Bruno Fernandes, Bas Dost e talvez Coates, eu diria que 90% destes já decidiu sair. Um ou outro poderá ficar se realmente todos os corpos sociais do Sporting caírem e renascer um movimento das bases do “ser Sporting” que tem de emergir para estancar rapidamente esta fuga de capital, porque o que se está a passar no Sporting, é uma fuga de capital e de ativos.

Gostava também de perceber como é que por exemplo, a Holdimo enquanto acionista com 30% do capital social da Sporting SAD, como é que a Holdimo vê tudo isto, porque neste momento a Holdimo e os demais acionistas estão a perder drasticamente valor. Eu acho que em última instância vão ser eles a pressionar para que Bruno de Carvalho saia. Agora, podem pressioná-lo para que ele saia da SAD, não do clube. Aí já só os sócios de forma estatutária por intermédio da Assembleia Geral (AG), na pessoa de Jaime Marta Soares.

Caso Bruno de Carvalho continue como é que vai preparar uma nova época com a imagem reputacional do Sporting manchada, também internacionalmente?

Não se prepara! O plantel não se prepara. Na cabeça do presidente ele acha que é possível preparar de alguma forma. Vamos equacionar que Bruno de Carvalho continua como presidente, o que eu não acredito de todo. Vai haver uma revolução drástica no plantel, aliás de há dois meses para cá que o Sporting vem montando o caso do ponto de vista jurídico. Na segunda-feira as reuniões na SAD foi mais uma achega há construção do caso no ponto de vista jurídico, para a rescisão unilateral dos contratos.

Na minha opinião o que vai acontecer é uma debandada geral da equipa do Sporting. Estamos a falar deste fenómeno da equipa A, porque há o outro fenómeno da corrupção, mas este da equipa A, acho que vai ser uma revolução tremenda e resta perceber se o Sporting vai ou não reduzir o orçamento. Eu acho que o Sporting vai ter de voltar aos valores do tempo de Marco Silva.

As pessoas não têm muita noção no tempo de Marco Silva, época 2014/2015 o orçamento da equipa A era de 25 milhões de euros. Passou para 48 milhões,  no ano a seguir passou para 69 milhões, e este ano está na casa dos 80 milhões. Ainda não saiu o relatório do segundo semestre da época desportiva, mas por aquilo que foi o primeiro semestre, eu até estou a ser conservador porque acho que vai ultrapassar os 80 milhões de euros.

Não havendo retorno do ponto de vista desportivo, nomeadamente da Liga dos Campeões que poderia ser a seguir aos direitos de transmissão televisivos, a segunda maior rubrica não venda e compra de jogadores, portanto extra-transação de jogadores. Não havendo champions league os direitos televisivos não cobrem minimamente, o Sporting fez um investimento tremendo há espera de ter retorno. Não teve retorno e a pergunta é, e agora o que é que vai fazer?

Sabendo que e isto é a minha opinião, levanto a questão de como é que as modalidades estão a ser financiadas? Porque o valor de financiamento de orçamento das modalidades não é coberto pelas quotas que já passam 100% para as modalidades. Por isso, não sei até que ponto também dinheiro da SAD está a sair para o clube, e se sair os restantes acionistas a par do clube têm uma palavra forte de contestação a dizer. Vamos ver o que diz o próximo relatório de contas.

Jorge Jesus deixa o Sporting quer Bruno de Carvalho saia ou fique no clube?

Boa pergunta. Eu acho que por vontade dele [Jorge Jesus] não, porque ele tem 7,8 milhões de razões para não sair e eu no lugar dele, muito sinceramente não saíria. Um contrato persupõe um acordo entre duas partes, persupõe de boa fé o cumprimento do trabalho de ambas as partes. Jorge Jesus, quer se queira, quer não ele cumpriu com a parte dele que trata de preparar no melhor possível a equipa.

O contrato dele não diz que tem de ganhar, isso é um prémio, uma adenda ao contrato e eu acho que Jorge Jesus está a fazer aquilo para que lhe pagaram. Agora, se realmente lhe pagaram acima do valor de mercado português e pagaram porque o Porto faz a festa com 1,5 milhões de euros sensivelmente para Sérgio Conceição. Jorge Jesus está a cobrar 7,8 milhões ao Sporting e quem lhe deu essa parte do contrato irá sair lesado, mas foi a parte com que acordou.

Eu acho que Jorge Jesus não tem de sair do Sporting, a não ser que o Sporting de alguma forma acorde com ele um pagamento faseado ao longo dos anos, no fundo “empurrar o problema com a barriga para a frente”, ou então que apareça uma proposta que cobre este valor que em Portugal não vai aparecer, no estrangeiro dificilmente e depois reza aqui a vontade de Jorge Jesus sair para o estrangeiro.

Já mostrou claramente com todas as qualidades é um treinador nacional. Não é um treinador internacional, global, não é um treinador do mundo, é um treinador de Portugal para o mundo e não do mundo para Portugal.

Falou há pouco de um movimento nas bases do “ser Sporting”. Vê algum nome forte que possa surgir em futuras eleições para reerguer o clube?

Obviamente! Esse nome apareceu pela primeira vez em público na terça-feira e manifestou a sua ideia de que a atual direção se devia demitir. E é um nome que tem vindo a ser falado durante muito tempo que é Rogério Alves, ex-bastonário da ordem dos advogados que curiosamente é advogado da Holdimo, o segundo maior acionista da Sporting SAD.

Rogério Alves deverá ser um dos nomes associados resta saber se ele quer, ou não porque hoje em dia o valor de mercado de Rogério Alves é muito superior aquilo que o Sporting lhe pode pagar, ou que lhe pode prometer. Repare se Bruno de Carvalho declarou no último relatório de contas 17 mil euros por mês de vencimento, portanto estamos a falar de cerca de 234 mil euros por ano que ele ganhou o ano passado com o Sporting.

Rogério Alves está muito acima desse valor e com todos os processos em que ele hoje está envolvido, não sei até que ponto terá, ou não ânimo para acabar a liderar a lista aos corpos sociais do Sporting. Mais do que esta figura há um corpo gigante de notáveis do Sporting que estão unidos e que estão há procura dessa pessoa.

O João Benedito é também uma pessoa de que muito se tem falado porque traz aqui uma leitura diferente do que tem de ser uma direção do Sporting, muito alavancada no modelo de Bayern de Munique, de ex-atletas com formação académica. Neste momento o João Benedito ainda não manifestou publicamente o interesse de avançar ou não, é uma decisão difícil.

Ele trabalhou também na SAD, portanto é um profundo conhecedor do fenómeno desportivo e de como é que o desporto se relaciona com as áreas financeiras que é o importante aqui, mas também não sei até que ponto será a figura sénior que o Sporting precisa neste momento. Talvez ajudando outra figura sénior, ou estando na equipa também era uma hipótese, mas parece-me que Rogério Alves poderá ser a pessoa que se perfilará muito em breve para o exercício do cargo.

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