Há momentos que marcam a história das relações entre os Estados e o percurso dos equilíbrios que vão sendo estabelecidos na Ordem Internacional.

A Cimeira do G20, que decorreu nos dias 9 e 10 de setembro, constitui uma alteração naquilo que tem sido o enquadramento destes eventos. Para além de se destacar a entrada da União Africana como membro permanente deste Fórum, a par da União Europeia, esta cimeira marcou definitivamente um caminho em que as potências regionais que não são parte do “mundo ocidental alargado” marcaram a agenda e a declaração da cimeira.

O G20 reúne países de diferentes latitudes e longitudes. Contam-se entre os seus membros a África do Sul, a Arábia Saudita, a Alemanha, a Argentina, a Austrália, o Brasil, a China, o Canadá, os Estados Unidos da América, a França, a Índia, a Itália, o Japão, o México, o Reino Unido, a Rússia e a Turquia. São vinte estados que representam todos os continentes do mundo e regiões bem diversas.

Apesar de representar as vinte maiores economias do mundo, o G20 detém intrinsecamente uma diversidade que ajuda a percecionar melhor quais as contendas e equilíbrios com que a Ordem Internacional se confronta no momento. É neste tipo de encontro, e nas suas conclusões, que temos uma maior noção do que o “mundo” pensa, aceita e rejeita.

Esta Cimeira, acolhida pela Índia, em Nova Deli, reuniu os mais altos representantes dos estados-membros, da União Europeia e da União Africana que entrou como convidada e deixou o evento como membro da organização. No meio de tanta diversidade, é difícil conseguir reunir consensos, mas este fórum tem logrado fazê-lo nos últimos anos, procurando enfrentar os desafios considerados globais com ações que se esperam aplicáveis a todos os países.

A Agenda da Cimeira

O tema da Cimeira era “Uma Terra, Uma família, Um futuro”, regressando a uma linguagem muito aplicada na diplomacia multilateral de carácter global, que agora tem estado restrita ao sistema das Nações Unidas. Assim, esta cimeira parece recuperar esse sentido de globalidade, perdido em outros fóruns.

A sustentabilidade foi transversal a todos os temas abordados, numa agenda abrangente que não evitou temas controversos. Entre esses tópicos encontram-se o crescimento forte, sustentável, equilibrado e inclusivo; a aceleração de processos de desenvolvimento sustentável; o pacto para o desenvolvimento verde e o pacto para o futuro sustentável; a transformação tecnológica e infraestruturas públicas digitais, e a taxação internacional.

Assim como a igualdade de género e a capacitação das mulheres e raparigas; questões do sector financeiro; contraterrorismo e lavagem de dinheiro; criação de um mundo mais inclusivo.

Como observamos, os tópicos congregaram os desafios do desenvolvimento sustentável na sua forma mais extensa, mas também os direitos humanos, como a igualdade de direitos entre homens e mulheres, ou a resposta a ameaças à segurança internacional como o terrorismo.

No leque de assuntos abordados, encontra-se um que destaco, as relações multilaterais para o século XXI. É neste ponto que se congrega aquela que é a expectativa dos países que estão fora do “Ocidente alargado” para a Ordem Internacional.

Nesse ponto foram incluídas questões como revigorar o multilateralismo, a reforma das instituições financeiras internacionais e a gestão das vulnerabilidades da dívida global. Quer isto dizer que estes países acordaram que há uma necessidade de reforma institucional, a par de um maior esforço na busca de soluções coletivas e minimamente consensuais ao nível global.

Nas suas conclusões, a cimeira reforça o papel do desporto como símbolo de paz, referindo-se aos jogos olímpicos e paralímpicos de Paris. Igualmente, expressa o bom acolhimento da União Africana enquanto membro permanente do Fórum. Volta, pois, a existir um fortalecimento da ideia de globalidade intrínseca ao fórum e, sobretudo, de maior equilíbrio entre os países ocidentais, mais desenvolvidos, e os outros países que integram o fórum.

A Agenda Mediática

Fiz esta apresentação da Cimeira, porque na agenda mediática o G20 apareceu, essencialmente, enquanto soma de questões, ligadas a personalidades específicas. No caso da China, perguntou-se porque não foi representada pelo Presidente, em seguida, foram as declarações do Presidente Lula da Silva sobre o Tribunal Penal Internacional a colher as atenções mediáticas. Concentrando o foco em personalidades e intervenções dos dirigentes na Cimeira, perdeu-se o que realmente mudou com este evento de 2023.

A entrada da União Africana neste fórum é mais do que simbólica. Representa a abertura e uma tentativa de aproximação do autorreferenciado “mundo ocidental” a um continente que está geograficamente muito próximo da Europa e com o qual partilha um passado histórico, referenciado na Cimeiro como “colonial” e, por vezes, imperial. Fruto dos tempos, mas também das ambições que começaram a ser expressas em 1955, na Conferência de Bandung, os países que agora integram o G20, mas com um passado colonial ou semi-imperial, inscrevem na declaração final do evento uma abertura a acolher os seus anseios, que até agora não se tinha verificado.

Curiosamente, esta conquista advém de um longo processo de afirmação destes países em termos internacionais e da intenção dos países ocidentais convergirem com as potências regionais, competindo com a China para este efeito.

Por outro lado, outros esforços diplomáticos como o Acordo de Pós-Cotonou são também exemplos da receção das perceções dos países não ocidentais, neste caso os Estados da Organização dos Estados de África (EOACP), Caraíbas e Pacífico (que originariamente eram agrupados como África, Caraíbas e Pacífico).

Depois do G20, o discurso da União

No discurso anual da União, a Presidente da Comissão Ursula von der Leyen menciona no tópico “Migração e Segurança Globais” o caso africano. Pela primeira vez, fala-se da necessidade de consenso dos estados-membros na relação com os países africanos e com as organizações regionais africanas. Neste sentido, a União Europeia que, através do Acordo de Pós-Cotonou, já tinha começado este caminho de convergência com os anseios dos EOACP, traça agora um percurso de aprofundamento dessas relações.

O G20 não determinou este discurso, mas a par da pressão dos países do Sul da Europa, membros da União Europeia para uma maior interação com os países africanos, vincou que têm de existir caminhos traçados comummente e respeitando os anseios comuns. Estes passos, por pequenos que possam parecer, indiciam que algo está em mudança na Ordem Internacional.

É extremamente positivo que a União Europeia se posicione ativamente nesta procura de novos equilíbrios. Por todas as razões e por um passado colonial que ainda pesa, esta será a forma de a União Europeia conseguir manter-se como ator global, com espaço para intervenção fora de um quadro de disputa entre a potência global, os Estados Unidos da América e a potência emergente, a China.