Os tempos conturbados são sempre propícios ao oportunismo e, muitas vezes, ao saque. No meio da balburdia e caos da batalha, o Conde de Avranches terá gritado aos seus homens “É fartar, vilanagem!”. É o que Costa grita agora a plenos pulmões, tal como Sócrates o fez na década passada, com resultados bem conhecidos. Ao PS da bazuca, já não chega empregar a família toda no conforto do Estado, seguindo os inexcedíveis exemplos de César e Vieira da Silva. Não, perante a perspectiva dos milhões de Bruxelas, o PS de Costa rapidamente se adaptou e preparou para o que aí pode vir, não vá correr-se o risco de gastar dinheiro bem gasto, traindo uma tradição socialista de décadas.

Primeiro, fiel ao registo a que nos habituou, Costa criou uma barreira de fumo, com profundíssimo cinismo. Esta manobra, bem conhecida, destinou-se a criar uma grande distracção enquanto os rapazes se preparavam para tratar da vidinha. É aqui que entra Costa Silva. Sim, uma personalidade qualificada, respeitável e credível, de fora do Governo e do aparelho, e a encomenda ribombante de um projecto para Portugal. Todo o país se ocupou com o novo plano. Toda a gente viu e ouviu o bom senso de Costa Silva, enquanto a rapaziada de Costa se preparava longe dos holofotes.

O plano, como os mais cépticos anteciparam, não deu em nada, nunca foi intenção de Costa que desse em nada. Menos Estado? Reforma das instituições, com vista à celeridade e transparência de processos? Auditoria permanente sobre os grandes projectos, visando o rigor e as boas contas? Eficácia e accountability? Quem ouvia Costa Silva, rapidamente percebia que a sua carta de princípios e métodos é absolutamente incompatível com este PS. Restava esperar a chegada da realidade, do que foi cozinhado enquanto Costa e Silva andou entretido e nos entreteve. Sim, muito objectivamente, o que há da substância do plano Costa Silva nos actos e anúncios de Costa? Pois!

Perante os anúncios do plano real da turma de Costa, o presidente do Tribunal de Contas adverte para o óbvio. Como a preocupação do novo plano é precisamente a opacidade, a rapidez conveniente e a falta de escrutínio, Vitor Caldeira teve, no cumprimento das suas funções, que chamar à atenção para o potencial de geração de corrupção e más práticas que o plano da rapaziada de Costa contém. Costa, em vez de agradecer e pedir sugestões correctivas, despede sumariamente Caldeira.

Este é o exercício mais desavergonhado de Costa até hoje, e Costa não é conhecido pelo pudor ou falta de lata. O argumento de que o sucessor de Oliveira Martins, o socialista que esteve 15 anos à frente do TC, não deveria fazer mais de um mandato, em nome de uma ideia de boas práticas, é um insulto à inteligência de qualquer um. Para cúmulo, fez muito rapidamente substituir Vítor Caldeira por José Tavares, um homem que desempenhou o cargo de director-geral do mesmo TC durante 25 anos! Uma ode à valorização da rotação das pessoas nos cargos, um exercício de coerência!

Sem grande surpresa, o novo presidente do Tribunal de Contas, José Tavares, é o homem que renegociou as PPP rodoviárias durante o governo Sócrates com Paulo Campos e Mário Lino. É o mesmo homem que terá enviado a Paulo Campos, o lugar-tenente de Sócrates, e-mails privados com o objectivo de articular a posição do TC com o governo, em vez de manter a separação a que estava obrigado. As PPP rodoviárias foram dos negócios mais lesivos para o contribuinte português. Provou-se muita coisa e há boas pistas para imaginar o resto.

O país assustado com a Covid-19, a braços com limitações e incertezas diárias, é o quadro ideal para Costa e os seus. Ainda assim, no meio de tudo, Costa enfrenta um obstáculo que não controla. Se é verdade que a generalidade da oposição anda aos papeis, pelas mais diversas razões, também é verdade que o líder do CDS decidiu constituir-se como provedor do contribuinte e estragar o passeio a Costa.

O que conhecíamos como oposição à esquerda, composta por radicais de diferentes origens marxistas, desapareceu com a geringonça. O Bloco é uma extensão teatral do PS, que faz umas fitas combinadas e grita uns chavões fracturantes. O PC tirou a CGTP da rua, perdeu estamina e razão de ser, insistiu, qual Trump, numa festa do Avante contra todo o bom senso, e atesta finalmente a pertinência nula de uma força estalinista na actualidade. Ainda assim, porque multiplicador de cargos, dependência e despesa, surge o anúncio escandaloso da criação de 600 novas freguesias, para dividir pela malta e eventualmente adiar o estertor estalinista. À direita, diz-se que Rio terá concordado com a escolha de Tavares, o que só por si diz tudo, e no extremo continua-se a senda de disparates histéricos sob a orientação universal da cartilha de Bannon.

Francisco Rodrigues dos Santos vê-se de repente no Vale de Elah. David, ciente das suas convicções e de estar a fazer o que era certo, enfrentou Golias sozinho. A máquina socialista é violenta e trituradora; basta lembrar Joana Marques Vidal, como cabeça de uma longa lista de gente que não verga ao PS, onde agora pertence também Vitor Caldeira. É a velha máxima, nunca demais repetida, de que quem se mete com o PS, leva. O respaldo da longa história do CDS é o único conforto de Francisco Rodrigues dos Santos, o cumprimento da missão a que se propôs será a maior recompensa.

O esclarecimento cabal do processo em curso é a grande causa política do momento em Portugal. Joga-se o futuro de todos nós, como poucas vezes antes. Evitar um saque igual a outros de má memória, é uma obrigação de todos; o Francisco deu o passo em frente. Sem medo de Costa. Porque não pode ser outra vez “fartar, vilanagem!”.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.