Não sou particularmente apologista da abordagem de contraste que a questão encerra. Mas faço-o na esperança de poder contribuir para retirar a carga de diabolização que, tantas vezes, se abate sobre o endividamento das famílias sempre que se trata de comentar a evolução do crédito aos consumidores.

Em termos macroeconómicos, o crédito funciona como um instrumento de “alisamento” do movimento das variáveis que compõem a medida de geração de riqueza do país, o Produto Interno Bruto (PIB). O que isto quer dizer? Vamos imaginar, por absurdo, que todos os portugueses estavam na posse de poupanças mais do que suficientes para adquirirem os bens e serviços de que necessitam.

Ora, neste utópico cenário, a oportunidade para o financiamento às famílias seria muito reduzida, ou mesmo nula. Diria mesmo que a abundância de liquidez tenderia a ser canalizada para outros países em que este cenário não se verificaria, aliciada por remunerações de capital que não teriam lugar no nosso espaço doméstico.

Ao invés, imaginemos que os agentes económicos não conseguiam poupar nem um cêntimo. Neste extremo cenário, a procura de dinheiro (crédito) para satisfazer necessidades dos consumidores aumentaria significativamente, porventura até níveis de solvência duvidosa.

Como os economistas têm bem presente, a geração de riqueza, medida pelo PIB, é cíclica. Isto quer dizer que, a uma crise (recessão económica medida por variação negativa do PIB), segue-se uma expansão. E, por certo, a um período de expansão, seguir-se-á uma crise.

Partindo do princípio de que a variável “consumo”, no seu contributo para o PIB, é influenciada pelas expetativas sobre o clima económico do futuro próximo, as famílias tendem a antecipar consumo quando as expetativas são positivas, e tendem a retrair-se quando são negativas. A antecipação de consumo traduz-se em crédito.

Agora, imaginemos que, após a crise do Período de Assistência Económica e Financeira a Portugal (troika), em que as expetativas dos consumidores inverteram para positivas, as Instituições Financeiras não mais concederiam crédito.

Por certo, a aceleração de recuperação da economia seria muito mais longa, ou mesmo difícil de conseguir. Por certo, o emprego gerado pelo incremento do consumo, possibilitado pelo crédito, não recuperaria. Por certo, muitas necessidades de desenvolvimento social ficariam por satisfazer, como necessidades de formação, necessidades de mobilidade, necessidades de conforto e bem-estar, necessidades de bens para o apoio a pequenos negócios, só para citar algumas.

Num recente estudo promovido pela Associação Portuguesa de Instituições de Crédito Especializado (ASFAC), conduzido pela Nova School of Business and Economics, conclui-se que “um aumento de 1% no crédito concedido aos consumidores pelas Instituições Financeiras Especializadas associadas da ASFAC produz um efeito positivo no consumo de bens duráveis em 0,5% após dois anos”.

Conclui também que “um aumento de 1% no crédito ASFAC para aquisição de veículos aumenta o PIB em 0,25% ao fim de dois anos, e 0,5% ao fim de três anos”. Em consequência, esta atividade é direta e indiretamente geradora de 5.800 empregos no curto prazo, e 24.000 empregos no médio/longo prazo.

O acesso ao crédito, por parte dos consumidores, é característico de uma sociedade desenvolvida, dinâmica e com expetativas positivas de crescimento. Por certo, se não houvesse crédito aos consumidores, na categoria técnica de crédito ao consumo, seríamos uma sociedade menos dinâmica, socialmente menos desenvolvida, e tendencialmente mais pobre.