A 1 de Outubro de 2013, o governo americano fechou. Durante semanas, Democratas e Republicanos discutiram no Congresso e nas televisões, culpando-se mutuamente pelo destino que, a cada dia que passava, parecia cada vez mais inevitável. Chegada a hora, e sem que um acordo tivesse sido conseguido, chegaram também as instruções aos trabalhadores das instituições federais americanas: todos aqueles que fossem considerados essenciais continuariam a trabalhar, mas todos os outros – cerca de 800 mil, dizia então a comunicação social – tiveram ordens  para ficar em casa, ou quatro horas para abandonar o seu local de trabalho.

Não havia dinheiro para os manter a trabalhar, nem as instituições que os empregavam a funcionar. Para que os militares dos vários ramos das Forças Armadas americanas pudessem continuar ao serviço – e receber por ele – ou o staff do Departamento de Defesa pudesse continuar o seu trabalho essencial para a prossecução das tarefas de defesa do país ou das operações militares em que os EUA estavam envolvidos um pouco por todo o mundo, foi necessário ao Congresso passar uma legislação especial que permitisse libertar essas verbas a título excepcional, mesmo sem legislação orçamental em vigor.

O problema surgira em Capitol Hill, a zona de Washington onde se situam a Câmara dos Representantes e o Senado. O Congresso precisava de aprovar a legislação orçamental que permitiria ao Governo pagar as suas despesas de funcionamento. Mas, envolvido numa batalha feroz para derrotar o “Obamacare” – a lei da saúde apresentada por Barack Obama – o partido Republicano fazia depender a aprovação dessa legislação da introdução de medidas que revertiam certos aspetos desse programa. Os Democratas, obviamente, recusavam-se a aceitar tais exigências, e o resultado foi o “shutdown” do governo.

Este ano, o cenário pode repetir-se. A lei que enquadra as despesas necessárias ao financiamento de várias agências federais do governo americano deixará de estar em vigor à meia-noite de hoje. Se o Congresso não for capaz de aprovar uma nova lei, esse financiamento não poderá ser feito, e essas agências terão de fechar até que uma solução seja encontrada.

Qualquer empregado ou departamento fundamental para “a segurança nacional, incluindo a condução das relações externas” (como as forças armadas), ou que desempenham funções essenciais para “a proteção da vida e da propriedade (polícias, controlo de trágfeo aéreo, prisões, polícia de fronteira, serviços de emergência, etc.), ou agências que efectuem pagamentos de programas sociais inscritos na lei (Segurança Social) continuará a trabalhar. Mas agências como os Institutos Nacionais de Saúde ou o Centro para o Controlo e Prevenção de Doenças não iniciarão novos trabalhos, o Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano não distribuirá alojamento a candidatos que estejam a aguardar uma decisão nesse sentido, o Departamento de Segurança Nacional não processará os casos de imigração pendentes, o Departamento de Justiça irá suspender grande parte da sua atividade, e os museus e parques nacionais ficarão encerrados, juntamente com muitas outras agências que trabalharão a meio gás ou fecharão por completo.

De novo, a possibilidade surge porque Democratas e Republicanos ameaçam novamente não aprovar a legislação orçamental geral se esta não previr medidas específicas que cada um deles queira ver incluída. A semana passada, os Democratas abandonaram uma reunião com Donald Trump, depois de o presidente dos EUA ter escrito um tweet em que dizia não acreditar num acordo.

Na realidade, este parece díficil de alcançar. Os Democratas exigem que seja dada proteção legal a imigrantes ilegais que tenham sido levados para os EUA em criança (os chamados “Dreamers”), ajuda financeira adicional para as vítimas dos desastres ambientais em Houston, Porto Rico e Florida, ou um programa de financiamento de seguros de saúde para crianças, bem como uma série de garantias de financiamento do “Obamacare” (de novo na raíz do confronto). Trump e os Republicanos querem mais despesa militar, no policiamento da fronteira (Trump, em particular, quer dinheiro para o “seu” muro com o México), e ao contrário dos Democratas, retirar financiamento a certos aspectos do “Obamacare”. Se alguém irá ceder e em quê é uma aposta que só mesmo um inveterado jogador arriscaria fazer.

Os Republicanos propuseram já aprovar uma uma prorrogação do prazo da atual lei por duas semanas, procurando assim mais tempo para chegar um acordo, e se é verdade que a podem aprovar, precisam de pelo menos oito votos Democratas no Senado para passarem a lei de despesa. Assim, a principal contribuição para a obtenção do acordo talvez seja mesmo a aproximação do Natal.

Num artigo no site da revista The Atlantic, Russel Berman escreve que se essa prorrogação proposta pelos Republicanos for aprovada, e a nova data limite do prazo seja estabelecida para 22 de Dezembro, alguns membros do partido temem que os Democratas possam usar a proximidade da quadra natalícia e a vontade dos congressistas republicanos deixarem Washington para passarem o Natal em casa para os pressionar a votar algumas das medidas que consideram fundamentais. Por isso, planeiam propôr que a prorrogação se estenda até 30 de Dezembro, adiando mais uma semana a resolução do impasse orçamental.

Assim, mesmo que hoje à noite se evite um desfecho igual ao de outubro de 2013, o espectro de um “shutdown” poderá voltar a pairar sobre o governo americano daqui a duas semanas, ou talvez daqui a três. E se em qualquer destas datas uma solução for encontrada, restarão duas certezas: nenhuma agência do governo deixará de funcionar normalmente, e para o ano, o problema voltará a surgir.