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É tudo tão estranho

Os atuais sinais de esgotamento do capitalismo fazem renascer a utopia; i.e., a esperança na existência de uma sociedade em que o trabalho é eliminado e a escassez substituída pela abundância, emergindo um espaço híbrido que mistura trabalho com lazer, decorrente da chamada Terceira Disrupção.
9 Maio 2022, 06h15

O mundo é atualmente um lugar estranho cheio de incertezas e riscos generalizados, como se vivêssemos num quadro de ansiedade permanente de saber qual a próxima crise. Com efeito, a economia global sofre a influência de vários fatores, entre os quais se destacam: i) as alterações significativas no conceito de soberania; ii) a crise dos refugiados e os movimentos migratórios; iii) a escassez de recursos naturais; iv) a inflação, fruto da ameaça de falta de energia e produtos; v) as alterações climáticas; vi) os riscos ambientais; vii) a falta de trabalho tradicional e o aumento do desemprego; viii) o regresso da guerra à Europa; entre outros.

Obviamente, em relação ao capitalismo do pós-guerra não se discute se este foi a fórmula da paz ou o mecanismo estável que assegurou a lealdade das massas de trabalhadores e consumidores durante estes anos. Ainda, se isso resultou da consolidação de um sistema de gestão tecnocrática da economia, de um sistema económico regulado pela política e pelas grandes burocracias estatais (Streeck, 2014) em que o planeamento público interveio ao lado, ou até em vez do mercado, como forma de garantia do crescimento e do pleno emprego (Ibidem, 2014).

No entanto, tudo indica que os lugares simétricos atribuídos à finança e ao trabalho nas últimas décadas terão de ser equacionados à luz das condições presentes, substancialmente diferentes das que sustentaram a evolução social e política de outras épocas, quando certas fragilidades foram reduzidas e originaram contextos amplos e mais democráticos que robusteceram os modelos capitalistas (Reis, 2014).

Coincidência, ou talvez não, nas décadas de 1990 o comunismo deu sinais de sucumbir, com a extinção da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e o fim do muro de Berlim. Porém, os atuais sinais de esgotamento do capitalismo fazem renascer a utopia; i.e., a esperança na existência de uma sociedade em que o trabalho é eliminado e a escassez substituída pela abundância, emergindo um espaço híbrido que mistura trabalho com lazer, decorrente da chamada Terceira Disrupção.

Neste âmbito, certos autores são mesmo taxativos, ao considerarem o ressurgimento de uma nova espécie de comunismo, agora na forma de luxo totalmente automatizado, resultado de uma Terceira Disrupção, posterior à agricultura e à indústria, como epílogo do Capitalismo; caracterizado por uma oferta extrema de informação, trabalho, energia e recursos, o que se considera como uma ideia contemporânea e impossível anteriormente (Bastani, 2019).

Será mesmo assim e a Guerra entre a Rússia e a Ucrânia, nada mais é do que um espelho refletor desse sistema global, liderado pela China? ou, pelo contrário, como ironizou Nikolai Gógol, em o Capote, esta guerra é apenas um reflexo de um velho costume que algumas pessoas têm de troçarem de quem não se pode defender:

“Quanto ao posto (entre nós é sempre importante nomear o posto de alguém, antes mesmo de dizer-lhe o nome), era o que se costuma chamar de conselheiro particular perpétuo. Sim, esse mesmo cargo que os escritores humoristas gostam de troçar, obedecendo ao louvável e russo costume de atacar quem não pode revidar.”

Referências

Bastani, Aaron. (2019). Fully Automated Luxury Communism. Verso Books.

Reis, José. (2014). A ordem relacional do capitalismo. Boletim de Ciências Económicas. Volume LVII Tomo III. Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. DOI:https://doi.org/10.14195/0870-4260_57-3_13.

Streeck, Wofgang. (2013). The Politics of Public Debt: Neoliberalism, Capitalist Development, and the Restructuring of the State. MPIfG Discussion Paper 13/7.

Streeck, Wolfgang. (2014). Buying time: The delayed crisis of democratic capitalism. Verso Books.

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