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Economia digital está a mudar a face de África

Negócios baseados na economia digital electrónicos impactam o panorama económico dos países africanos, abrem novos horizontes para empresas e investidores e mudam o comportamento de consumidores.
26 Outubro 2019, 20h00

A Organização das Nações Unidas divulgou seu primeiro Relatório de Economia Digital. No documento, chama a atenção para o risco do aumento da desigualdade mundial em consequência da concentração da riqueza da economia digital nas mãos dos Estados Unidos e China e pede esforços globais no sentido de distribuir os ganhos desta promissora fonte de riqueza e geração de dados.

O estudo mostra ainda desafios e perspectivas para os países menos desenvolvidos, nomeadamente da África e América Latina. A considerar a dependência das transações baseadas em dinheiro na maioria dessas nações, a ONU recomenda que os governos promovam meios de pagamentos móveis e soluções que não envolvam o uso de dinheiro em espécie, bem como o desenvolvimento financeiro digital. O relatório refere ainda a importância do incentivo ao internet banking, com foco em transferências bancárias e interbancárias e pagamentos on-line.

Em muitos países africanos, entretanto, a carência de infraestruturas e o incentivo governamental aquém do necessário não têm impedido o avanço da economia digital. Um exemplo é Angola, onde pagar por serviços sem sair de casa já é uma realidade. A enfrentar uma crise financeira e uma nova era na vida política, sob o comando do presidente João Lourenço, o país aderiu em massa os meios electrónicos de pagamento. A juventude tem sido o foco dessa nova fase. A Tupuca, primeira aplicação (“app”) de serviços de “take-away”, teve uma entrada tímida no mercado, mas já conta com mais de 100 funcionários. A Tupuca é utilizada para serviços como entrega e venda de roupas e até troca de produtos em supermercados. Entusiasmados com os resultados, os mentores do projeto investiram noutro negócio baseado em pagamento electrónico, o T´Leva, de serviços de táxi.

“Implantamos o mesmo conceito utilizado pela UBER, em que o usuário acompanha o percurso do motoboy e sabe a previsão de chegada. Para nós, este foi o grande diferencial”, diz Wilson Ganga, cofundador da empresa.

Quando os quatro jovens decidiram empreender neste ramo em 2015, não acreditavam que um país como Angola, onde a burocracia é o grande calcanhar de Aquiles dos pequenos empreendedores, tivesse tanto espaço para uma empresa on-line. Desde então, o número de entregas mensais da Tupuca passou de 400 para mais de 8.000.

Até ao momento, Luanda é a localidade que mais adere aos novos meios de pagamento e à nova forma de consumo, embora os preços da internet sejam altos e a qualidade dos serviços, baixa. A EMIS, empresa de serviços interbancários de Angola, garante que o serviço 4G e 5G ainda não é totalmente funcional como em outros países de África. Mas esta deficiência não tem impedido que o número de usuários de “smartphones” cresça diariamente e que os novos meios de pagamentos sejam cada vez mais utilizados.

Em 2017, depois de participar no concurso internacional da Microsoft “Imagine Cup”, seis jovens angolanos criaram a startup Alfa Key, que permite a contratação de funcionários. Os usuários entram em contacto por meio da aplicação Bumba, onde podem solicitar os serviços de um ladrilhador, pintor, cabeleireiro ou mesmo de uma empregada doméstica. Até ao momento, a startup conta com 1.000 de usuários e recebe mais de 100 pedidos semanalmente.

“Somos jovens, e o país não tem emprego para todos nós”, diz Osmar Pessela, um dos integrantes da Bumba. “Com a tendência de desenvolvimento tecnológico, decidimos arriscar e estamos felizes com os resultados.” O sistema de pagamento on-line ainda é um desafio, não só pela fraca qualidade da internet, mas também por desconhecimento dos consumidores.

 

Mudança de hábito
No relatório da ONU, António Guterres, secretário-geral da organização, afirma que é preciso “trabalhar para combater a lacuna digital, em que mais da metade do mundo tem acesso limitado ou inexistente à internet”.

O impacto da economia digital já é visível, não apenas a economia, mas também no estilo de vida da população de muitas nações africanas. Em Cabo Verde, os avanços tecnológicos e a evolução do setor de meios de pagamento electrónicos (desde 2012, todas as instituições que fazem parte da rede bancária cabo-verdiana contam com o serviço de “internet banking”, agora também disponível em “smartphones”) acabaram por influenciar o comportamento dos consumidores. As duas operadoras de telecomunicações do país (Cabo Verde Telecom e Unitel T+) introduziram recentemente a tecnologia 4G e anunciaram para breve o início das operações da 5G. O Governo pretende que Cabo Verde seja o primeiro da África a dispor da tecnologia 5G. Para o efeito, conta com o apoio do Governo chinês e da multinacional chinesa Huawei.

Para além de estimular o comércio formal, as empresas baseadas nas novas tecnologias vêm contribuindo para a disseminação dos meios de pagamento electrónicos. O mercado cabo-verdiano já conta com diversas plataformas de pagamento on-line, lojas virtuais, sistemas integrados de restaurantes, serviços de táxis e parquímetros que utilizam os meios electrónicos como formas preferenciais de pagamento.

Pioneira nesse tipo de negócio no país, a Pagali foi criada em 2013 para facilitar o pagamento de facturas de bens e serviços. Permite o pagamento online através de “apps” para iPhone e Android. A administradora da empresa, Arlinda Peixoto, sublinha que a legislação no país permite o “mobile payment”, além de serviços financeiros “que possam apoiar a banca”. Qualquer pessoa pode solicitar o serviço para o pagamento de facturas de eletricidade, água, telecomunicações, impostos, seguros, compra de recargas de gás e de telemóveis.

Focada no sector da restauração, a Ifome também está a crescer. A empresa faz entregas de refeições ao domicílio, mediante solicitação prévia no site ou na aplicação. Os pagamentos são efectuados através do telemóvel ou nos terminais de pagamento POS. Stefano Silva, gestor da Ifome, revela que a empresa tem 22 restaurantes associados na cidade da Praia. Em breve, o projeto deve chegar às ilhas do Sal e São Vicente.

A EMEP, que gere os parquímetros na cidade da Praia, também já introduziu sistemas electrónicos de pagamento. Conforme o presidente do Conselho de Administração, Victor Coutinho, o objectivo é facilitar a vida dos condutores, que muitas vezes não dispõem de moedas para pagar pelo serviço. A EMEP dispõe de um aplicativo que permite o pagamento online do serviço. Além disso, as máquinas de rua vão passar a dispor de um terminal de pagamentos POS.

Principal parceira do serviço Taxipay, que permite o pagamento de táxis através dos terminais POS, a Caixa Económica de Cabo Verde também já lançou um serviço de pagamentos de facturas e de outros documentos do Estado via QR Code. Conforme o administrador do banco, Antão Chantre, com este serviço, o utente pode pagar, através do seu “smartphone”, qualquer factura, como eletricidade, telecomunicações, impostos e seguros.

Embora os avanços sejam notáveis, um salto consideravelmente maior poderá ser dado se, como recomenda o estudo da ONU, houver mais investimento em infraestruturas e serviços acessíveis de TIC (Tecnologia de Informação e Comunicação), soluções de pagamento electrónicas e logística do comércio, todos eles fatores decisivos para melhorar a disponibilidade dos países em desenvolvimento de fazer negócios “on-line”.

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