Como a generalidade dos jornais diários, o Diário da República tem um problema de falta de leitores. De pouco tem valido o formato digital em que agora circula.

Uma das razões para essa falta de leitores, mesmo entre o seu público de eleição – os juristas, que têm a obrigação de acompanhar o que por lá se escreve – é a ausência, por largos períodos de tempo, de notícias interessantes. Quer dizer, de leis que interfiram com a vida dos cidadãos, com a atividade dos profissionais do foro ou com a nossa vida pública em geral.

Volta e meia há exceções, como agora, em que o final da legislatura levou à aprovação, à pressa, de um sem fim de leis, que foram enviadas para promulgação em período de férias e agora estão a ser publicadas.

Entre essas leis está a última das que compõem o denominado “pacote da transparência” e que cria, junto do Tribunal Constitucional, a novíssima “Entidade para a Transparência”, com o propósito de aplicar o também novo regime de exercício de funções dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos.

Recorde-se que o presidente do Tribunal disse na Assembleia da República, de forma muito clara, que não se revia no projeto de lei em causa e que a sobrecarga dos juízes do Palácio Ratton com funções desta índole acabaria por afastá-los do seu papel principal, que é o de fiscalizar a constitucionalidade das leis. Com efeito, se somarmos as novas competências às funções que o Tribunal já exerce em matéria de processo eleitoral, de partidos políticos e coligações, bem como de financiamento das campanhas eleitorais e dos partidos, é inevitável reconhecer um risco acrescido de desvirtuamento do perfil constitucional do próprio órgão.

Os deputados, porém, optaram por não ouvir o conselho que lhes foi dado e aprovaram a lei tal como a tinham projetado. Grave é que não o fizeram convencidos da bondade da solução, mas antes por terem a esperança de que a mesma não funcione e deixe tudo na mesma.

No fundo, os deputados não querem uma “Entidade para a Transparência”, mas uma “entidade para o branqueamento” da vida política. Pretendem que o Tribunal Constitucional, com a autoridade que lhe é própria, assuma perante o país a ingrata empresa de fiscalizar o património, os rendimentos e os conflitos de interesses dos inúmeros titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos. Ou melhor, fiscalizar as declarações que os próprios titulares desses cargos apresentam com a descrição (eventualmente fiel) do seu património, dos seus rendimentos e dos interesses que possam pôr em questão a sua imparcialidade.

Para dissipar um problema que tem deteriorado de forma dramática a imagem da classe política, com sucessivos escândalos a ocupar o espaço mediático, a lei que agora entra em vigor concede ao Tribunal Constitucional a possibilidade de se fazer assistir por três pessoas, com estatuto equivalente a inspetor-geral e subinspetor-geral, e com o apoio administrativo que a respetiva dotação orçamental possa vir a suportar.

É esta a dura realidade da “Entidade para a Transparência”!

Nem se diga que é um caminho que está a iniciar-se. Não. Do que se trata é de replicar, relativamente ao regime de exercício de funções dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, o mesmo tipo de estratégia seguida com a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos. O mesmo tipo de estratégia e, por consequência, idênticos resultados – não obstante o esforço de quem abraça estas funções inglórias.