A dialética entre luz e trevas – ou entre bem e mal – é uma constante teológica e filosófica que tem encontrado amplo espaldo na área do compliance.

Na verdade, pretendendo-se com os processos inerentes à função de verificação de cumprimento identificar o risco inerente, propor e implementar controlos, medir o risco subjacente e, a final, rever os controlos e processos de forma regular, a atividade de compliance identifica-se comummente com a identificação da atuação correta, por contraponto às práticas que, por lei, regulamento ou standards de indústria, se revelam impróprias ou não íntegras.

Vem isto a propósito da necessidade de assegurar a existência de uma cultura de integridade, cultura essa universalmente assumida dentro da organização; em particular e para o que aqui importa, tem isto que ver com a forma como as empresas previnem o suborno e a corrupção na sua atuação. Mais do que um mantra, é uma obrigação de gestão,

Desconsiderando as discussões mais domésticas (e ainda inconsubstanciadas) que dominam a espuma dos dias, a corrupção empresarial, não faltam setores nem jurisdições onde este tipo de matérias tenha sido objeto de decisão condenatória, geralmente acompanhada de sanções financeiras materiais e danos reputacionais dificilmente reparáveis, aplicáveis a empresas e a respetiva gestão.

Recordemos a este respeito que um leque significativamente alargado de geografias prevê a aplicabilidade das respetivas regras em matéria de suborno e corrupção fora das respetivas fronteiras (a título de exemplo e com particular relevo pela capacidade de atuação e materialidade das penas, refiram-se o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) ou o UK Bribery Act).

As empresas devem implementar processos de avaliação regular do risco de suborno e corrupção detalhados, mapeando os processos críticos e mais expostos e estabelecendo controlos efetivos e auditáveis sobre os mesmos.

De entre as áreas ou processos de risco mais elevado, devemos considerar o relacionamento com entidades públicas ou o processo de seleção de fornecedores, por natureza mais permeáveis a favorecimento por temas pessoais, económicos ou políticos, atividades de marketing (“gifts and entertainment” e atribuição de patrocínios), financiamento de partidos políticos.

Deve, por isso, mais implementar-se – mais do que manter – uma política de comunicação de conflitos de interesse, criar mecanismos de whisthleblowing (comunicação de irregularidades ou preocupações) que permitam a identificação de situações suscetíveis de enquadramento nesta sede e assegurar que a atuação da empresa é diligente e consequente, ou seja, que o risco é mensurado e monitorizado e que as infrações são naturalmente punidas.

Ademais, olhando sobretudo à prática judicial e administrativa norte-americana, assumem particular relevo a existência de regras organizativas, da conformidade, rigor e completude dos processos de registo contabilístico. De facto, uma parte significativa das sanções aplicadas a entidades não residentes nos Estados Unidos (designadamente da Securities Exchange Comission), derivam do incumprimento de deveres assessórios, mais do que da comprovação de efetivos casos de suborno ou corrupção.

Voltando ao início e transpondo isto para o que se conhece da realidade portuguesa, não podemos deixar de registar que o respetivo tecido económico é – maioritariamente – composto por estruturas empresariais de pequena dimensão e com elevado grau de informalidade dos processos. Sucede que a conjugação destes fatores determina que o processo de decisão seja – não raras vezes – insuficientemente documentado e, bem assim, que processos e controlos não sejam regularmente revistos.

Ora, num país em que o Estado tem ainda um grande peso na economia e, em particular, num momento em que o contexto económico parece reforçar esta realidade, será porventura o momento de, de forma mais ativa, promover e avaliar as boas práticas prosseguidas pelas empresas em matéria de prevenção do suborno e da corrupção. Este vetor – essencial para o desenvolvimento – poderá ser assumido setorialmente mas será muito mais eficaz se preceder ou acompanhar a aplicação dos dinheiros públicos. Isto, claro, porque mais vale um bom exemplo que uma mão cheia de conselhos.

É também o momento de reforçar o apelo ao rigor na discussão destes temas e na apreciação destas matérias. A decisão das empresas deve ser determinada por fatores objetivos e sindicáveis, pelo que se deve ter por saudável a promoção da integridade e inaceitável a relativização de comportamentos ou a flexibilização de processos.

Até porque – refira-se – se as ações são julgadas entre luz e trevas, de pouco vale encontrar formas de elogiar a penumbra.