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Pedro Mota Soares: “Não conhecemos hoje as ideias estratégicas para o 5G”

Novo secretário-geral da Apritel, Pedro Mota Soares, em entrevista ao Jornal Económico, considera a implementação do 5G “absolutamente incontornável”, mas lamenta lançamento tardio do processo no país. “Proposta do regulador é ainda muito genérica”.
  • Secretário-geral da Apritel, Pedro Mota Soares no Museu das Telecomunicações, onde a associação tem escritórios
13 Novembro 2019, 07h25

A Associação dos Operadores de Comunicações Eletrónicas (Apritel), liderada por Pedro Mota Soares desde outubro, apresenta esta quarta-feira os resultados do primeiro estudo sobre os preços dos serviços predominantes entre os consumidores portugueses. O estudo levou a uma conversa com o Jornal Económico, onde o antigo governante e ex-deputado do CDS-PP fala sobre os desafios que o setor das telecomunicações enfrenta, motivados sobretudo pelo processo de implementação da quinta geração móvel (5G).

Numa altura em que o setor atravessa momentos de tensão entre os operadores e a Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom), Mota Soares diz compreender as preocupações das empresas, mas garante querer estabelecer diálogo com todos os diferentes players, incluindo o regulador. Explica que o setor – que hoje vale 2,3% do PIB – será alavanca da economia portuguesa na transformação digital e que um atraso no 5G prejudicará transição digital do país.

A divulgação esta quarta-feira, ao final da manhã, do primeiro estudo sobre os preços dos serviços predominantes entre os consumidores portugueses é o tiro de partida da sua liderança na Apritel. Do dia de hoje em diante, quais são os seus objetivos e qual é o plano de atividades da Apritel?
Temos grandes desafios pela frente. Desde logo três matérias que considero essenciais e estruturais: o desafio do 5G, o desafio do código europeu das comunicações – é uma matéria que tem de ser transposta até ao final de 2020 e é um processo que vai exigir muito diálogo e que não retire competitividade à economia portuguesa – e reforçar a perceção de que o setor das telecomunicações é absolutamente estruturante e essencial para a revolução digital que estamos a viver.

O 5G é a grande prioridade?
O 5G é absolutamente incontornável, vai ser a maior revolução desde que passamos a utilizar smartphone, desde logo pela velocidade com que vamos comunicar e pela ideia das Smart Cities [cidades inteligentes], coisa que nós achávamos que eram do domínio da ficção cientifica. Este é um século de transição digital e, curiosamente, o número dois do Governo até assumiu a pasta da transição digital [Pedro Siza Vieira é ministro da Economia e da Transição digital]. O 5G vai ser uma enorme transformação na nossa vida diária mas também na nossa economia e a Europa – e bem – já se está a preparar para o desafio da economia digital. É que uma empresa portuguesa que queira ser competitiva, num mercado que é cada vez mais global, vai ter de a necessidade de ter esta tecnologia.

O cenário atual do setor, onde os principais operadores telecomunicações e a Anacom vivem um clima de animosidade, sobretudo por causa do 5G. Como é que a Apritel, uma associação que tem as empresas do setor na sua génese, pode gerir a situação? E qual o papel da Apritel neste cenário?
Nós mantemos o princípio do diálogo com todos os stakeholders de dimensão pública e de dimensão privada, é a nossa função…

Já reuniu com a Anacom?
Ainda não, começámos há pouco tempo. Este mês iremos fechar o plano de atividades da Apritel e depois vamos solicitar reuniões com todos os stakeholders, incluindo como é óbvio o regulador.

Retomando: qual é o papel da Apritel neste cenário?
Para nós é muito importante – e é uma das nossas funções – explicar o que é que o mercado e este setor significam, mas também explicar que vivemos num mercado que é muito concorrencial. Não vamos estar sempre de acordo com a Anacom – é normal -, mas sentimos muitas vezes que a função da Apritel é trabalhar um bocadinho para o mesmo. Há um ponto que para nós é absolutamente essencial: garantir que Portugal nesta revolução do 5G não fica para trás. Mas hoje temos uma preocupação forte com facto de um processo do 5G ter sido lançado tardiamente, dos prazos de resposta serem muito curtos, o que torna o processo do 5G francamente mais difícil. Isto é algo que nos preocupa muito. Tradicionalmente, Portugal sempre esteve na linha da frente em muitas matérias que têm a ver com o setor das comunicações, mas neste momento temos medo que Portugal comece a ficar para trás – há pelo menos cinco questões que nos preocupam.

Quais são as cinco questões que preocupam a Apritel?
A primeira questão é a proposta [sobre o 5G] apresentada pelo regulador, que ainda é muito genérica. Neste momento, não sabemos efetivamente como é que vai ser o leilão e quais as suas condições. Segundo, este processo devia ter começado há mais tempo e ter mais tempo nas suas várias fases. Terceiro, não há garantia que vai existir espectro disponível para todos os operadores, de forma a que se possam retirar todas as potencialidades do 5G – isso implica que existam blocos contíguos de 80 Mhz a 100 Mhz nos termos do que a Comissão Europeia tem dito, mas isso não está garantido para a altura do lançamento do leilão [que se inicia em abril de 2020]. Quarto, o calendário é de facto muito curto; e, quinto, Portugal pode agora ficar de alguma forma para trás. Não conhecemos hoje as ideias estratégicas para o 5G.

A Altice pediu recentemente que João Cadete de Matos saísse da presidência da Anacom pela forma como tem gerido o processo do 5G, sobretudo. Concorda com este apelo?
Não vou comentar nenhuma posição de um operador em concreto. Mas explico outra coisa: é muito importante que, permanentemente, tenhamos a capacidade de avaliar um conjunto de impactos. Por exemplo, quando muda uma legislação é muito importante fazer uma avaliação do impacto legislativo. Não é a Apritel a dizer, é a Comissão Europeia, a OCDE e todas as instâncias internacionais, que haja a capacidade de fazer a avaliação do impacto regulatório – das decisões ou das não decisões, se a decisão foi tardia ou não. Seria bom para este mercado fazer sempre avaliações de impacto legislativo e regulatório. Ainda não tive oportunidade de reunir pessoalmente com o regulador, mas não escondo que há hoje uma grande preocupação relativamente ao processo do 5G. Compreendo bem a preocupação de todos os operadores e o próprio Governo já deu nota de preocupação com o atraso no processo do 5G. Não é que [o atraso] seja mau para o setor ou para os operadores, é mau para Portugal e para a Europa.

Elencou a valorização do setor das telecomunicações como um dos objetivos da Apritel. Esta semana o INE divulgou que o volume de negócios do setor das telecomunicações decresceu 4%, para 5,4 mil milhões de euros, em 2018. Nesse sentido, como é que se reforça a importância deste setor e se consegue valorizá-lo tendo sido registado um recuo na sua operação?
De facto quando olhamos para o volume de negócios há um valor inferior, mas também porque é um setor que, permanentemente, tem tido uma enorme capacidade de investimento. Estamos a falar de um setor em que cerca de 23% das receitas são reinvestidas, o que compara muito bem com um conjunto de outros setores em Portugal e muito bem num nível internacional. Quando olhamos para a Europa, percebemos que o setor das telecomunicações é daqueles que mais reinveste as receitas e os proveitos que tem. Isso impacta com o volume de negócios mas também impacta na qualidade de serviços – Portugal, por exemplo, é dos países que tem melhor penetração de rede de fibra ótica a nível europeu (70% dos lares têm cobertura de fibra ótica). Estamos a falar de um setor que representa 2,3% do produto interno bruto (PIB) e que representa 18 mil postos de trabalho muito qualificados. Este é um setor que tem investido cerca de mil milhões de euros por ano e isso, como é óbvio, tem impacto. Este é o setor da economia que, provavelmente, mais se vai desenvolver nos próximos anos e que contribui quer para a coesão social quer para coesão territorial. É, por isso, que reforçar a importância deste setor é um dos nossos desafios. A função da Apritel é de explicar e demonstrar os números e a importância social e económica que o setor tem.

Portugal tem até ao final do ano de 2020 para concretizar a transposição das comunicações europeias. Essa é uma das prioridades da Apritel, mas como é que esse processo pode ser concretizado?
Antes de mais este é um processo que exige diálogo. Num setor que investe mil milhões de euros por ano, haver estabilidade e previsibilidade é muito relevante. Nós temos uma lei das comunicações eletrónicas que tem cerca de 15 anos e já teve 15 alterações – não me parece que seja um bom exemplo de estabilidade. Por isso, é muito importante que este processo seja feito com muito diálogo, com muita participação e acho que quando os processos legislativos são assim é bom para todos. É vontade da Apritel participar nesse diálogo. Este código traz matérias muito relevantes, que pela primeira vez são abordadas,  como a questão de novos parceiros que estão a aparecer no mercado das telecomunicações e que, de alguma forma, não respeitam as regras que todos os operadores têm de respeitar. É o caso dos OTT [plataformas de conteúdos de empresas como a Eleven Sports ou Netflix] que são hoje relevantes mas que estão fora de toda a legislação e regulamentação. Nesse sentido, há uma necessidade de equilibrar diferentes parceiros de um sistema e esse é um assunto que será abordado no novo código. A expectativa é que Portugal não perca competitivade e para isso é importante que a legislação não penalize o setor.

Antes do 5G, um dos temas quentes do setor foi o processo de venda do negócio da fibra da Altice e de como a sua concretização permitiria abrir o mercado das telecomunicações em Portugal. O setor tem espaço para novos operadores?
Em última análise essa resposta é sempre dada pelo mercado, que é muito concorrencial – o que traz benefícios para os consumidores, quer do ponto de vista da qualidade dos serviços quer do ponto de vista até do preço desses serviços.

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